CNA alerta para crise do leite e volta a cobrar antidumping: “é a única saída”

Com importações recordes e preços em queda, entidade pressiona governo a adotar medidas de defesa comercial para conter prejuízos aos produtores

CNA alerta para crise do leite e volta a cobrar antidumping: “é a única saída”
Ilustrativa

Com importações recordes e queda nos preços, o setor lácteo brasileiro enfrenta uma das crises mais severas das últimas décadas.

A entrada de leite subsidiado da Argentina e do Uruguai tem comprometido a rentabilidade e ameaçado a sobrevivência de milhares de famílias rurais.

 A crise dos produtores chegou ao Congresso. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, realizada nesta terça-feira (4), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) defendeu que a adoção de medidas antidumping é a única alternativa capaz de reduzir os impactos das importações de leite de países do Mercosul. 

O debate ocorreu na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural e reuniu parlamentares e representantes do setor lácteo para discutir medidas de fortalecimento da competitividade do leite nacional. 

O assessor técnico da CNA, Guilherme Dias, apresentou o histórico da investigação sobre a prática de dumping, contextualizando a petição da entidade ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Ele lembrou que o órgão publicou circular alterando o entendimento anterior e passou a considerar que o leite in natura não é similar ao leite em pó.

Segundo o assessor, essa decisão preliminar exclui os produtores da possibilidade de defesa contra práticas desleais de comércio, gerando insegurança jurídica.

Após a decisão, a CNA apresentou novas provas, contratou parecer internacional e solicitou a reconsideração do Departamento de Defesa Comercial (Decom).

 “De acordo com a decisão, na nova ótica, o dano deve ser avaliado sobre o leite em pó nacional. Do ponto de vista legal e de políticas públicas, essa decisão não faz sentido, pois os prejudicados pelo dumping são os produtores de leite in natura. Precisamos que o órgão olhe para os produtores com sensibilidade e reconsidere a decisão”, afirmou Dias.

Ele destacou que, enquanto o governo analisa o caso, as importações seguem em alta e continuam pressionando os preços pagos ao produtor. A previsão é de novas quedas até o fim do ano, com margens negativas para a atividade. 

“Em março de 2025, quando protocolamos o pedido de adoção de direitos antidumping provisórios, houve redução de 16% nas importações de leite em pó no mês seguinte. Após a decisão desfavorável, o volume aumentou 28%. Há correlação clara e evidências de que medidas antidumping mitigam os impactos das importações”, explicou. 

A CNA afirma estar empenhada em reverter o novo entendimento e restabelecer o curso normal da investigação, garantindo segurança jurídica e a sustentabilidade da produção nacional.

CNA propõe mercado futuro para o leite 

Ainda durante a audiência, Guilherme Dias apresentou uma proposta de mercado futuro do leite brasileiro, parte das soluções estruturais defendidas pela CNA para oferecer mais previsibilidade de preços ao produtor. 

Segundo ele, a entidade criou em 2024 um grupo de trabalho com representantes do setor produtivo, cooperativas e indústrias para estruturar o instrumento de gestão de risco. 

“Chegamos à conclusão de que o contrato seria para leite cru refrigerado, em reais por litro, com vencimento mensal e liquidação financeira utilizando São Paulo como referência. Cada contrato teria o tamanho de 8 mil litros. A ideia é colocar essa ferramenta na B3”, detalhou. 

Mobilização no Congresso

O presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA, Ronei Volpi, reforçou que o setor está empenhado em buscar soluções para conter as importações desenfreadas. 

“É uma lição de casa para todo o setor, para que possamos continuar produzindo e abastecendo o mercado interno”, afirmou. 

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (Republicanos-PR), disse que a defesa do produtor de leite é pauta prioritária da bancada. 

“Nosso papel é pressionar o governo, defender o produtor e garantir igualdade de condições. A bancada do agro está mobilizada e unida para fortalecer a cadeia do leite, do pequeno ao grande produtor.” 

O deputado Valdir Cobalchini (MDB-SC) alertou para o impacto social da crise. 

“Hoje, em Santa Catarina, o produtor recebe menos de R$ 2 por litro, enquanto o custo médio de produção chega a R$ 2,40. Isso é inviável”, afirmou. 

Ele defendeu ações imediatas como a suspensão temporária das importações do Mercosul, auditorias sanitárias, compras públicas via Conab e ampliação do crédito subsidiado. 

A deputada Ana Paula Leão (PP-MG), presidente da Frente Parlamentar em Apoio ao Produtor de Leite, também cobrou do governo a revisão da decisão que negou medidas antidumping.

Segundo ela, o país importou 1,6 bilhão de litros até setembro, alta de 28% em apenas um mês. 

“Enquanto o leite de fora chega barato, o nacional é desvalorizado. Quando o produtor brasileiro quebrar, o importado vai chegar caro — e quem vai sentir será o consumidor”, alertou. 

Governo e Embrapa apresentam alternativas 

O coordenador-geral do Ministério da Agricultura (Mapa), Elvison Nunes Ramos, reconheceu a gravidade da crise e informou que o governo alterou o decreto do Programa Mais Leite para restringir importações por laticínios e cooperativas. 

“Quase 98% dos produtores brasileiros produzem menos de 500 litros por dia. Esse é um segmento prioritário para o Ministério”, disse.

O chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, José Luiz Bellini Leite, sugeriu a criação de um fundo nacional do leite, financiado pela taxação das importações, para investir em pesquisa, capacitação e assistência técnica. 

“Com um fundo gerido pela iniciativa privada, Embrapa e parceiros, poderíamos estruturar um programa contínuo de desenvolvimento. Só assim deixaremos de discutir crise a cada dois anos”, defendeu. 

Produtores pedem medidas estruturais 

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo de Carvalho Borges, afirmou que o país precisa ir além de medidas emergenciais. 

“Não dá mais para conviver com esse ciclo de crise em ano ímpar e estabilidade em ano par. Precisamos de uma estrutura sólida para garantir dignidade a pequenos, médios e grandes produtores.” 

Ele lembrou que 99% dos municípios brasileiros produzem leite, mas o número de indústrias de processamento tem diminuído, comprometendo a sustentabilidade da cadeia. 

“A audiência mostrou o engajamento dos parlamentares, mas precisamos de ações efetivas. É hora de evoluir na estruturação da cadeia produtiva do leite brasileiro”, concluiu.