Produtores e entidades do agro divergem após decisão do Cade sobre Moratória da Soja

Setor produtivo vê alívio, indústrias e exportadores falam em risco de retrocesso

Produtores e entidades do agro divergem após decisão do Cade sobre Moratória da Soja
Ilustrativa

O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu, na terça-feira (30/09), manter em vigor, até 31 de dezembro de 2025, a Moratória da Soja — pacto voluntário que impede a compra de soja de áreas desmatadas na Amazônia após 2008 —, mas suspender sua aplicação a partir de 1º de janeiro de 2026.

O entendimento do Cade seguiu voto do conselheiro José Levi, que discordou do relator Carlos Jacques e do presidente do órgão, Gustavo Augusto, que queriam manter integralmente a medida preventiva. Levi argumentou que o prazo até dezembro permitirá diálogo entre empresas, produtores e órgãos públicos.

A medida preventiva impõe restrições a empresas e entidades signatárias da moratória: elas ficam proibidas de coletar, armazenar ou compartilhar informações sobre preços, volumes e origem da soja comercializada, além de proibir a divulgação de listas e auditorias relacionadas ao pacto.

A decisão já era aguardada com certa tensão: em agosto, a Superintendência-Geral do Cade havia determinado a suspensão preventiva do pacto.

Na ocasião, também foi aberto um inquérito administrativo contra aproximadamente 30 empresas e entidades do setor, sob suspeita de práticas anticoncorrenciais no agronegócio.

Reações 

Entidades do setor agrícola reagiram à medida. A  Federação da Agricultura e Pecuária (FPA) afirmou que “é inaceitável que um acordo entre privados seja usado para desvalorizar terras legalmente abertas, gerar insegurança jurídica e excluir produtores do mercado”, ressaltando que o Código Florestal é a referência legítima para o uso da terra no País.

Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a decisão do Cade, ao proibir o acordo a partir de janeiro, é um reconhecimento dos efeitos nocivos da Moratória da Soja para o mercado e os consumidores.

A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT)  uma das entidades mais ativas na defesa do produtor rural, celebrou a decisão inicial de suspensão da Moratória e a considerou um reforço para quem cumpre a lei ambiental no campo.

A Famato (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso) afirmou que recebeu com “alívio” a decisão do Cade de manter provisoriamente a moratória até o fim de 2025.

Eles veem a suspensão definitiva como essencial para “devolver segurança jurídica aos produtores que já cumprem o Código Florestal”, e argumentam que a moratória “cria dupla penalização ao produtor rural” além de uma limitação extra além da lei ambiental brasileira.

A Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) manifestou surpresa, defendendo que a moratória é um pacto multissetorial que trouxe benefícios ao setor nas últimas décadas e disse que tomará as “medidas cabíveis de defesa”, mantendo colaboração com o Cade.

A Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais) afirmou que foi “surpreendida” pela decisão da Superintendência-Geral do Cade de suspender a moratória e manifestou “extrema preocupação” com a medida.

A entidade defendeu que o pacto multissetorial tem vigência há muitos anos e destacou que deve adotar medidas administrativas para recorrer da decisão.

Vozes do ambientalismo: temor pelo retrocesso

Organizações ambientais reagiram com preocupação e mobilização. O Greenpeace afirmou que “sem a Moratória da Soja… abre-se caminho para a soja voltar a ser um grande vetor de desmatamento na Amazônia”, colocando em risco metas climáticas brasileiras.

A WWF-Brasil emitiu nota alertando que o Brasil tem “vasto potencial de terras degradadas” e que não há necessidade de avançar sobre áreas naturais para expansão agrícola — em outras palavras, que a moratória ainda é compatível com o crescimento.

Desafios legais e o cenário até 2026

A própria decisão do Cade não encerra o litígio judicial ou administrativo: cabe recurso no próprio órgão ou via sistema judicial.

Até dezembro, o pacto segue ativo e as empresas precisam obedecer às regras da moratória vigente. A partir de 2026, com a suspensão da aplicação, o compromisso perde força prática — salvo se houver novo acordo ou decisão judicial que o reabilite em outra forma. 

Implicações estratégicas

A moratória tem sido vista como um instrumento simbólico e prático de sustentabilidade para a soja brasileira, especialmente para manter mercados internacionais abertos. Grandes compradores internacionais já haviam sinalizado que retrocessos no pacto poderiam abalar a confiança no grão nacional.

Além disso, está em jogo a imagem do Brasil nas negociações climáticas globais — a suspensão em ano de COP e em paralelo a debates sobre tarifação ambiental é vista como posicionamento arriscado, podendo ser interpretado como uma fragilidade no compromisso ambiental nacional.

Para o campo, a medida representa risco de exclusão de produtores que não aderem à moratória ou que cultivam em áreas limítrofes ao bioma. Por outro lado, traz alívio para quem considerava o pacto uma limitação extra além da lei.