Julgamento no Cade sobre a Moratória da Soja será nesta terça: veja o que está em jogo
Processo envolve acusações de cartel, impactos econômicos bilionários e debate sobre o Código Florestal
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) julga nesta terça-feira (30) os recursos apresentados pela Associação Brasileira de Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e por grandes tradings contra decisão que suspendeu a aplicação da Moratória da Soja e abriu investigação por suposta prática de cartel.
A decisão do Cade, tomada em agosto, determinou a suspensão de auditorias e relatórios do pacto ambiental, além da retirada de documentos relacionados dos sites das companhias, sob pena de multa diária de até R$ 250 mil em caso de descumprimento.
A Moratória da Soja foi criada em 2006 como acordo setorial para impedir a compra de grãos oriundos de áreas desmatadas da Amazônia após julho de 2008.
A análise desta terça-feira pode influenciar tanto a governança ambiental quanto a dinâmica de mercado na região.
Impactos econômicos e concentração de mercado
Segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), que encomendou parecer técnico sobre o tema, a moratória concentra o poder de compra em cerca de 30 grandes tradings, responsáveis por quase 90% da comercialização na Amazônia Legal.
O documento aponta que, em 20 municípios analisados, essas empresas compram entre 7 e 10 sacas de cada 10 vendidas, o que amplia seu poder sobre a formação de preços.
A Aprosoja-MT estima que os impactos econômicos anuais possam chegar a R$ 20 bilhões apenas em Mato Grosso.
Polêmicas e posicionamentos
Na semana retrasada, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) solicitaram ingresso como terceiros interessados no processo, com apoio da Advocacia-Geral da União (AGU). Foi a primeira manifestação oficial do governo em defesa da moratória.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) criticou a medida. O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirmou que o pacto extrapola os limites legais.

“Estamos diante de um caso grave de desvio de finalidade. O governo insiste em criar, por vias indiretas, um ‘desmatamento zero’ que não existe no Código Florestal.”
Em agosto, a Abiove afirmou ter recebido a decisão com “surpresa” e destacou que a moratória é um “pacto multissetorial que conta com a participação do Estado, incluindo o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama”.
Segundo a entidade, o acordo é reconhecido pela União, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), como política pública ambiental em vigor há mais de 20 anos.
“A entidade reitera seu compromisso com a legalidade e informa que tomará as medidas cabíveis de defesa, além de colaborar de forma plena e transparente com as autoridades competentes, prestando todos os esclarecimentos necessários para o devido andamento do processo”, disse a associação em nota.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também abriu processo, a pedido da Comissão de Agricultura da Câmara, para apurar possível conflito de interesse na atuação da ministra Marina Silva e do secretário extraordinário do MMA, André Lima.
As representações mencionam sua ligação acadêmica com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), entidade que licencia a plataforma utilizada pelas tradings para monitorar as regras da moratória.
Em nota ao jornal Valor Econômico, Lima negou conflito de interesse. “Esse tipo de atividade acadêmica em nada interfere na minha atuação institucional no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.”
Contexto da Moratória da Soja
A Moratória da Soja surgiu em 2006 após pressão internacional contra o avanço agrícola sobre áreas da floresta amazônica. Atualizada em 2008, estabeleceu como marco a proibição de compra de grãos cultivados em áreas desmatadas após julho daquele ano.
O pacto reúne tradings, indústrias e organizações da sociedade civil e se tornou referência global em rastreabilidade ambiental.
Para críticos, sobretudo entre produtores, a medida desrespeita o Código Florestal, que já exige preservação de 80% das propriedades na Amazônia, reduzindo o espaço disponível para produção.
O julgamento do Cade, portanto, envolve não apenas a dimensão ambiental, mas também questões de concorrência e os limites da autorregulação privada diante de políticas públicas já existentes.







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