Agricultura regenerativa: Carbono no solo é sinônimo de produtividade comprovada
Irmãs agricultoras demonstram na prática como a agricultura regenerativa está redefinindo o futuro da produção de alimentos, tornando as propriedades rurais tradicionais em fazendas vivas e altamente produtivas
Carbono = produtividade + solo saudável

Fazenda Estância, 1.100 hectares dedicados às culturas de soja, milho, sorgo, mandioca e cana-de-açúcar
Para entender como essa fórmula de sucesso funciona na prática, viajamo até a Fazenda Estância, em Pirassununga, interior de São Paulo. O tema do encontro, “Mudanças Climáticas e Agricultura”, poderia até sugerir uma manhã pesada, repleta de estatísticas alarmantes, mas o que encontramos, no entanto, foi o contrário: uma fazenda viva, em movimento, onde cada detalhe da terra parecia nos contar uma história de renovação.

Nathalia Vick
Logo na recepção, as irmãs Aline e Nathalia Vick – proprietárias da fazenda, nos receberam com franqueza. “O que vocês vão ver aqui é uma fazenda de verdade, com uma certa ‘bagunça’ e os desafios do dia a dia”, disse Nathalia, rindo. Longe de qualquer encenação, a proposta era clara: mostrar a realidade sem filtros, com os acertos e também com as dificuldades. E foi exatamente essa autenticidade que transformou a visita em uma experiência marcante.
Sucessão e inovação no interior paulista
Fundada por José Vick, a Fazenda Estância passou por um processo de sucessão familiar em 2018. Hoje, as filhas Nathalia Vick, administradora e gestora de agronegócios, e Aline Vick, economista, estão à frente da propriedade. Com 1.100 hectares dedicados às culturas de soja, milho, sorgo, mandioca e cana-de-açúcar, a Estância se tornou referência em agricultura regenerativa e em inovação no campo.

José Vick e as filhas, Nathalia e Aline
“Nós não começamos do zero. Meu pai já era um visionário à sua maneira; ele já praticava o plantio direto e fazia rotação de culturas quando isso ainda não era o padrão. Ele nos entregou uma terra bem cuidada, e o nosso papel, na sucessão, foi pegar esse legado e dar o próximo passo. A agricultura regenerativa, para nós, foi a evolução natural do trabalho dele. Foi como pegar a base sólida que ele construiu e adicionar as camadas de ciência, tecnologia e um olhar ainda mais aprofundado para a biologia do solo.“, esclarece Aline Vick.
Agricultura regenerativa: Resultados que falam mais alto que teorias
Como podemos ver durante a apresentação inicial dos resultados, durante a safra 2024/2025, a Fazenda Estância registrou uma média de emissões 60% menor que a brasileira na cultura da soja e 46% menor no milho segunda safra. A análise da pegada de carbono foi feita com a ferramenta Footprint PRO Carbono, desenvolvida pela Bayer em parceria com a Embrapa. Baseada em Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), reconhecida internacionalmente, a ferramenta calcula as emissões de forma detalhada por talhão, permitindo um diagnóstico preciso e ações direcionadas.

Aline Vick apresenta os resultados alcançados
Na soja, a média da Estância foi de 616,4 kg de CO₂ eq./t, contra 1.526 kg da média nacional. Um dos talhões chegou a apenas 373 kg, uma redução de 76%. Já no milho segunda safra, a média foi de 751,71 kg, contra 1.387 kg no restante do país. “É importante ressaltar que cada talhão possui um perfil de solo e histórico de manejo diferente, o que influencia a pegada. Ainda assim, o talhão com maior pegada registrada ainda representa um montante 22% menor do que a média nacional”, explicou Felipe Albuquerque, head de sustentabilidade da Bayer para a América Latina.

Cooperação, inovação e diálogo: o coração do Forward Farming
A Fazenda Estância integra desde 2024 a rede global Bayer ForwardFarming, composta por 22 propriedades em 14 países, sete delas na América Latina. Felipe Albuquerque destaca: “O que temos aqui com a Aline e a Nathalia não é uma relação comercial, é uma verdadeira cooperação. Aprendemos imensamente com elas, e elas conosco. É uma parceria onde todos compartilhamos a mesma missão: avançar a agricultura regenerativa no campo. Vamos juntos, porque ninguém constrói um futuro sustentável sozinho.”

Felipe Albuquerque, head de sustentabilidade da Bayer para a América Latina
Sobre inovação, Felipe reforçou: “A agricultura regenerativa não vai acontecer apenas porque sonhamos com ela. Precisamos trazer as melhores ferramentas para o campo. Hoje vimos a tecnologia de agricultura de precisão em ação, o Climate FieldView, que é uma das peças-chave para entregar esses resultados. Nosso papel é garantir que a inovação não fique restrita ao laboratório, mas que chegue ao agricultor e o capacite a produzir mais e melhor.”
E sobre diálogo, ele foi enfático: “O dia de hoje é a prova viva do pilar do diálogo. Abrimos as portas da fazenda para todos: jornalistas, pesquisadores, estudantes e até concorrentes. É na troca transparente de experiências e na desmistificação do que fazemos que vamos construir a confiança que o agronegócio precisa. Mostrar bons exemplos, com fatos e na prática, é o que o agro mais precisa hoje.”, completa o head de sustentabilidade da Bayer.
Carbono = produtividade + solo saudável

Fazenda Estancia – Familia Vick
Sem rodeio, Aline Vick detalha a essência do trabalho realizado na fazenda e o segredo dos resultados alcançados: “Aqui na fazenda, o carbono não é apenas um crédito ou uma meta ambiental. Para mim, carbono é uma medida de vida no solo. Onde temos mais carbono, temos mais produtividade. A minha receita vem dos quilos de grãos que eu vendo. Então, quando eu trabalho para aumentar a matéria orgânica e fixar carbono, estou investindo diretamente na rentabilidade e na sustentabilidade do meu negócio.”, explica.
Os resultados comprovam sua fala. Em talhões com menor pegada, a produtividade da soja chegou a 77 sacas por hectare. Entre 2020 e 2024, mesmo com secas prolongadas, a Estância manteve uma estabilidade produtiva acima da média regional, provando que sustentabilidade e produtividade andam juntas.

Resultados Fazenda Estancia
“A saúde do solo é a base de todo o nosso trabalho. Por meio da agricultura regenerativa, fortalecemos sua estrutura e promovemos um ecossistema mais equilibrado. Hoje, adotamos essas práticas em toda a propriedade, resultando em solos com maior resiliência ambiental e condições ideais para uma produção sustentável ao longo do tempo. A sustentabilidade virou a nossa marca”, resume Aline.
Para a agricultora, a previsibilidade e a constância produtiva, são os principais ganhos na aplicação de práticas regenerativas, pois isso influencia diretamente nas decisões estratégicas da fazenda. Além é claro, do ganho ambiental.
Resiliência e escolhas de manejo
Pequenas mudanças fazem grande diferença. “No caso da soja, substituímos a ureia pelo nitrato, que emite consideravelmente menos gases de efeito estufa. Também implementamos tecnologias de precisão que minimizam as manobras de maquinário, reduzindo consumo de combustível e, consequentemente, as emissões. Uma agricultura mais precisa não apenas melhora os resultados, mas também gera benefícios sustentáveis a longo prazo”, explicou Aline.

Aline Vick apresenta práticas adotadas na propriedade
Felipe complementa: “O solo da fazenda é arenoso, uma característica da região, o que torna necessário um conjunto de ações para melhorar sua saúde. O plantio direto e a rotação de culturas favorecem a fixação eficiente de nutrientes como nitrogênio e evitam a compactação, a erosão e a lixiviação. Além disso, protegem o solo contra as altas temperaturas.”
Um caminho de aprendizado contínuo
Aline reforça que a transição não ocorreu de um dia para o outro: “A gente não acordou um dia e se tornou uma fazenda regenerativa. É um processo, uma jornada de aprendizado constante. Todo ano testamos algo novo, aprendemos com erros e acertos“.
A agricultora reconhece o papel fundamental do pacote tecnológico recebido nessa parceria com a Bayer, “O projeto PRO Carbono, por exemplo, nos deu uma base de dados para tomar decisões melhores. Hoje sei a importância de plantar as plantas de cobertura mais cedo para aproveitar a chuva. É um ciclo de observar, planejar, agir e aprender de novo. E o mais importante: esse conhecimento não fica só aqui; fazemos questão de compartilhar com nossos vizinhos e visitantes.”, completa.
Na Fazenda Estância, o espaço de aprendizado dedicado à agricultura regenerativa também presta homenagem à Dra. Johanna Döbereiner, reconhecendo seu papel pioneiro na ciência brasileira. O legado da pesquisadora, que transformou a forma como a agricultura tropical encara a fertilidade do solo e a fixação biológica de nitrogênio, inspira o trabalho desenvolvido na propriedade e conecta a história da pesquisa científica à prática diária no campo.

Dra. Johanna Dobereiner
“Batizar este espaço com o nome dela é a nossa forma de reconhecer e celebrar o legado de uma cientista brilhante que nos mostrou, há décadas, que a solução para muitos dos nossos desafios está na própria biologia do solo. Muitas vezes esquecidas pela agricultura brasileira, ela é a prova de que a ciência e a natureza, juntas, são imbatíveis. Se hoje conseguimos plantar soja com uma necessidade muito menor de fertilizantes nitrogenados, é graças às suas pesquisas pioneiras com as bactérias fixadoras de nitrogênio.“, reconhece Aline.
Johanna Döbereiner iniciou um programa de pesquisas sobre os aspectos limitantes da fixação biológica de nitrogênio (FBN) em leguminosas tropicais quando poucos cientistas acreditavam que a FBN poderia competir com fertilizantes minerais.
O programa brasileiro de melhoramento da soja foi influenciado pelos trabalhos de Johanna Döbereiner, tendo representado, na época, uma quebra de paradigma.
- Johanna teve assento na Academia de Ciência do Vaticano
- Uma das poucas brasileiras a ser indicada a um prêmio Nobel
- Em 1996 recebeu o Prêmio por Excelência, Destaque Individual da Embrapa
Os estudos da Dra. Johanna permitiram que a fixação do nitrogênio pelas plantas fosse feita pela bactéria rhizobium. Dessa forma, a soja gerava seu próprio adubo.
A prática de inocular bactérias fixadoras de N, graças à Dra. Johanna, hoje é feita em quase 80% da produção brasileira e viabiliza a agricultura mais sustentável, com menos emissão de CO2 e menos contaminação de lençóis freáticos com nitrato.
Um solo que responde com vida

Aline Vick Demonstando Temperatura Do Solo
O ponto alto da visita foi a caminhada pelos talhões. Em uma área de milho recém-colhida, ainda coberta pela palhada manejada, a diferença era palpável. O solo protegido mantinha 32°C, enquanto o solo descoberto passava de 40°C. “Isso aqui é o ar-condicionado natural do solo”, disse Aline, afastando a palha e revelando uma terra escura, úmida e repleta de vida. Uma prova real do sistema de plantio direto (SPD) em pleno funcionamento.
Sarah Vieira Novais, especialista de carbono no time da Carbon Venture da Bayer, propõe uma analogia simples e poderosa para explicar o que significa um solo saudável. “Assim como a nossa saúde não é definida por um único exame, mas pelo conjunto de práticas diárias, como o que comemos, se fazemos exercícios e se temos qualidade de vida, a saúde do solo também não depende de um teste isolado. É algo que se percebe no dia a dia”, afirma.
Essa percepção ganha força quando apoiada pela ciência. Sarah demonstra isso com um kit de análise desenvolvido em parceria entre a ESALQ e a Bayer, que é distribuído aos produtorais rurais. No teste de estabilidade de agregados, torrões de solo de duas áreas distintas da fazenda são mergulhados em água. Os do talhão manejado com práticas regenerativas, como plantio direto e uso de plantas de cobertura, permanecem firmes e coesos. Já os da área degradada se desfazem rapidamente, deixando a água turva. A lição é evidente: solos bem estruturados resistem à erosão, permitem maior infiltração da água e criam condições ideais para raízes e circulação de ar.

Kit De Testes Esalq
Em outro teste, agora biológico, a aplicação de água oxigenada revela a vida subterrânea. O solo mais saudável reage com intensa efervescência, resultado da ação da enzima catalase presente nos microrganismos. “Os organismos do solo estão funcionando a nosso favor”, resume Sarah.
Ela explica que a saúde do solo se apoia em três pilares interdependentes:
- Físico: a estrutura que permite infiltração de água e desenvolvimento das raízes.
- Químico: a capacidade de ciclar nutrientes e reduzir a dependência de fertilizantes.
- Biológico: a diversidade de microrganismos, fungos e bactérias que funcionam como um sistema imunológico natural, controlando pragas e nutrindo as plantas.
Sarah reforça que até o conceito de praga deve ser repensado. “Não existe, na verdade, um inseto praga. O que existe é um desequilíbrio do ecossistema. Quando a cadeia está em equilíbrio, um organismo regula o outro.” Ela recorda um episódio em que uma infestação de pulgões foi controlada naturalmente pela biodiversidade presente no solo, sem necessidade de aplicação de defensivos.
Com essa explicação visual, fica evidente os resultados alcançados com a aplicação de práticas regenerativas na produção de alimentos.
Além de promover a fixação de carbono no solo, a agricultura regenerativa também atua na outra ponta do desafio climático: a redução das emissões. Ao adotar práticas como o uso racional de insumos, a substituição de fertilizantes mais poluentes, o manejo inteligente do maquinário e a integração de culturas que aumentam a eficiência do sistema, o agricultor não apenas sequestra carbono, mas também evita que novos gases de efeito estufa sejam liberados. Esse duplo movimento, de capturar e reduzir, coloca propriedades como a Fazenda Estância no caminho da neutralidade climática, a chamada meta do net zero, em que as emissões remanescentes são equilibradas pela capacidade de absorção do solo e dos ecossistemas.

Vicente Delgado Agronews
Ao deixar a Fazenda Estância, levo comigo a sensação de que o futuro da agricultura já começou. Mais do que um conceito, a agricultura regenerativa é prática real, mensurável, com impacto ambiental e econômico positivo comprovado. Essa é uma jornada de trabalho contínua, com os pés no chão e as mãos na terra, que inspira o campo e reflete em toda a sociedade.
AGRONEWS







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