Como Mato Grosso caminha para zerar o mercado ilegal de sementes?
Como Mato Grosso caminha para zerar o mercado ilegal de sementes?
O Mato Grosso é hoje referência nacional no combate ao uso de sementes piratas.
Segundo o ultimo levantamento da CropLife Brasil, o estado registra o menor índice de uso de sementes piratas em todo o país, com apenas 5% da área semeada com soja atingida por esse problema.
O número contrasta com outras unidades federativas e também o país como um todo, que enfrentam cenários mais críticos.
A média nacional é mais que o dobro - 11% -, enquanto o Rio Grande do Sul, por exemplo, sofre com 28% da área de soja comprometida por sementes piratas.
O problema não é exclusividade dos gaúchos, já que celeiros como Paraná, Goiás, Maranhão e Bahia também apresentam índices acima da média.
A relevância desse cenário ganha ainda mais destaque quando se observa a força do agronegócio mato-grossense.
O estado é o maior produtor de soja do Brasil, com mais de 12 milhões de hectares plantados na safra 2023/24, e responde por cerca de 30% da produção nacional do grão.
Será essa uma das razões do sucesso do agro matogrossense?
Exemplo de mobilização
Para Fernando Michel Wagner, gerente de negócios da GDM e coordenador da Coalização de Combate à Pirataria de Sementes de Soja, o histórico de investimentos em tecnologia agrícola no Cerrado foi essencial.
“As particularidades do bioma exigiram soluções técnicas desde o início, o que impulsionou o uso de sementes de alta qualidade. Assim, o agricultor matogrossense prima por insumos certificados”, explica.
Mas o fator decisivo, segundo Fernando, é estrutural e se traduz na mobilização de diversos entes em torno de coibir e prevenir o mercado ilegal.

Entre eles, Ministério da Agricultura e a Secretaria Estadual, a Croplife Brasil, o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea), com apoio financeiro do Fundo Mato-Grossense de Apoio a Cultura da Semente (Fase).
“O estado conta com esse diferencial que faz toda a diferença. O convênio permite atuação em todos os municípios, com presença ativa na fiscalização”, detalha Fernando.
Ricardo Oliveira Alves, gerente regional do Indea no estado, reforça a robustez do modelo.
“Somos o único estado brasileiro que fiscaliza também o uso das sementes. Nosso foco é garantir qualidade, identidade e procedência das sementes comercializadas e utilizadas”, afirma.
Fiscalização em quatro frentes
A fiscalização é abrangente e ocorre em revendas, no transporte rodoviário, nas propriedades rurais e nas barreiras sanitárias por todo o Estado do Mato Grosso, apesar de sua dimensão.
Os estabelecimentos devem estar cadastrados no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renazem) e os fiscais checam desde rótulos até conformidade documental, além de realizar apreensões em casos de irregularidade.
Quanto à estrutura, o Indea conta com 140 unidades locais de execução distribuídas em 142 municípios e cerca de 900 servidores.
Essa capilaridade permite uma atuação próxima da realidade dos produtores e um monitoramento constante do comércio e uso das sementes.
Outra frente de atuação é o controle do uso de sementes salvas. O produtor deve declarar a área de produção, registrar o volume gerado e respeitar prazos específicos para cada cultura.
“A fiscalização é criteriosa e baseada na legislação federal”, pontua Ricardo.
O modelo é financiado por meio do Fase, abastecido com uma contribuição sobre cada quilo de semente comercializado. Esse mecanismo garante recursos para manter a fiscalização de forma autônoma e permanente.
Além da repressão, o trabalho do Indea tem caráter educativo. “Queremos que o produtor veja o instituto como um aliado. Nossa missão é garantir acesso a um material de qualidade, que corresponda ao que foi adquirido”, reforça Ricardo.
Perdas de produtividade
Dados da safra 2023/24 mostram que apenas 67% do mercado nacional de sementes de soja é ocupado por sementes certificadas.
Além de 11% de sementes piratas, outros 22% corresponde a sementes salvas legalmente.
Essa divisão mostra um ponto crítico já que quase um terço da área cultivada no Brasil ainda depende de materiais sem processos completos de controle de qualidade.
Dados da Embrapa, compilados pela Céleres®, mostram que o uso de sementes salvas no Rio Grande do Sul está associado a um nível mais elevado de danos por umidade e danos mecânicos em comparação às sementes certificadas.
Em média, a semente salva apresentou 14,6% de danos por umidade, enquanto a semente certificada teve apenas 3,3% — uma diferença de mais de cinco vezes.
Esse tipo de dano compromete diretamente a germinação e o vigor das plantas, afetando a uniformidade do estande e, por consequência, a produtividade da lavoura.
A situação é ainda mais chocante quando se analisam os danos mecânicos, que ocorrem durante colheita, secagem e manuseio.
As sementes salvas apresentaram 28,8% de danos mecânicos em média, contra apenas 6,7% nas certificadas.
Em alguns ciclos, como 2014/15 e 2015/16, esse índice ultrapassou 39% para sementes salvas. Danos físicos podem afetar negativamente o desenvolvimento radicular e a emergência das plantas no campo.
Esses dados reforçam que o uso de sementes certificadas não é apenas uma exigência legal ou técnica — trata-se de uma decisão estratégica para mitigar riscos agronômicos e financeiros.
Semente certificada importa?
O papel da semente certificada é central nesse processo. “Ela financia o melhoramento genético, viabiliza tecnologias, impulsiona produtividade e contribui para a sustentabilidade da inovação no campo", argumenta Fernando.
Em termos técnicos, sementes certificadas apresentam padrões superiores de vigor, pureza e germinação. Já as sementes salvas, mesmo legalmente utilizadas, não remuneram a pesquisa e oferecem riscos à qualidade e ao rendimento da lavoura.
O uso de sementes piratas, por sua vez, além de ser ilegal, compromete a sanidade vegetal, facilita a proliferação de pragas e doenças e prejudica a rastreabilidade e a segurança alimentar.
Zero pirataria
A CropLife tem intensificado ações contra a pirataria, como campanhas de conscientização, parcerias com estados e articulações com o Ministério da Agricultura.
Mato Grosso é um dos principais apoiadores da iniciativa.
O estado lidera também a mobilização para o fortalecimento da fiscalização com apoio de produtores locais, reconhecendo o impacto positivo da certificação na produtividade e na segurança jurídica.
Fernando Wagner destaca que o ciclo virtuoso entre pesquisa, indústria de sementes e produtores se fortalece quando há garantia de mercado regulado.
“É um ecossistema interdependente. A inovação no setor só se sustenta com valorização da semente”, opina.
Para ele, zerar a pirataria não é impossível, apesar de desafiante.
“Com estrutura, vontade política e engajamento dos produtores, é possível. Se não zerar, reduzir em muito. O modelo de Mato Grosso pode ser replicado em outros estados”, defende.
Já Ricardo reforça que a legislação está do lado dos bons produtores. “Nosso papel é garantir isonomia: quem investe corretamente precisa ter proteção contra concorrência desleal e material de baixa qualidade”, acrescenta.







Comentários (0)
Comentários do Facebook