Com risco de "pesadelo logístico", China e Brasil aceleram diálogo sobre Rota Bioceânica
Safra recorde pressiona estrutura e expõe urgência por investimentos em transporte

O Brasil vive um paradoxo: tem safra recorde, mercado comprador garantido, mas trava no escoamento.
A crescente demanda chinesa por soja — principal destino das exportações do agro brasileiro — pode rapidamente se tornar um pesadelo logístico.
Com portos operando no limite, filas de caminhões, gargalos ferroviários e falta de integração entre os modais, o país corre o risco de não conseguir entregar no ritmo exigido pela maior economia da Ásia.
A situação já preocupa cooperativas, tradings e produtores rurais, que enxergam na falta de infraestrutura um entrave que pode comprometer a credibilidade do Brasil como fornecedor confiável em um dos momentos mais promissores para o agro nacional.
Brasil e China aceleram articulação sobre a Rota Bioceânica
Diante desse cenário, o governo brasileiro recebeu, nesta semana, uma delegação da República Popular da China para debater soluções e acelerar a implementação da Rota Bioceânica — projeto logístico estratégico que promete conectar o Brasil ao Pacífico e aos mercados asiáticos com maior agilidade.
A visita técnica incluiu uma agenda intensa com representantes da Casa Civil, dos ministérios dos Transportes, Planejamento, Agricultura e da Infra S.A, além de visitas às obras da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), em Goiás.
“Estamos honrados em receber a delegação chinesa. Esta é uma oportunidade de estreitar laços e mostrar a viabilidade do corredor”, afirmou o secretário especial do Novo PAC, Maurício Muniz.
O que é a Rota Bioceânica?
A Rota Bioceânica é um corredor multimodal que deve ligar o Porto de Santos (SP) e o Porto Sul, em Ilhéus (BA), ao Porto de Chancay, no Peru, passando por estados-chave como Mato Grosso, Goiás, Rondônia e Acre, além do território peruano.
O projeto visa reduzir o tempo e o custo de exportação de commodities brasileiras, principalmente grãos e carnes, para a Ásia via Pacífico.
O corredor se integrará à Ferrovia Norte-Sul e à malha logística nacional, promovendo maior eficiência no transporte de cargas e ampliando a competitividade do Brasil no comércio exterior.
O Governo Federal vem investindo na expansão das chamadas Rotas de Integração Sul-Americana como eixo estruturante dessa nova estratégia.
Mato Grosso apresenta força do agro e cobra infraestrutura
Durante a reunião no Palácio do Planalto, realizada na última terça-feira (15), os representantes chineses se encontraram com autoridades dos governos estaduais de Mato Grosso, Goiás, Rondônia e Acre. Os estados apresentaram dados sobre produção, infraestrutura e logística, além de suas principais demandas para destravar gargalos.
Mato Grosso teve papel central no encontro. A secretária adjunta de Agronegócios do estado, Linacis Vogel Lisboa, destacou que a região é a maior produtora de grãos e carne bovina do país, responsável por 31,6% da produção nacional de grãos, com um rebanho de 32,8 milhões de cabeças de gado e 21 usinas de etanol de milho — 73% da produção nacional.
A safra 2024/25 deve alcançar 101 milhões de toneladas, com projeções de chegar a 140 milhões até 2030.
“A logística é um desafio, mas o Governo do Estado tem feito sua parte com a ferrovia estadual e a pavimentação de 6 mil km de rodovias”, afirmou Linacis. Ela reforçou que os estados estão dispostos a contribuir para viabilizar o corredor e que a visita da delegação chinesa é um passo importante para despertar o interesse por novos investimentos.
Momento é estratégico: “não podemos falhar”
A pressão por eficiência logística ganha ainda mais urgência com os números da safra.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil deve colher 330,3 milhões de toneladas em 2024/25, alta de 10,9% em relação ao ciclo anterior.
A China, por sua vez, já ampliou suas compras: em março, foram US$ 15,64 bilhões em importações do agro brasileiro — alta de 12,5% frente ao ano passado.
Para o presidente do Instituto do Agronegócio, Isan Rezende, o país está diante de um ponto de reflexão.
“Produzimos como nunca, temos mercado comprador garantido, mas estamos travados pela falta de estrutura para escoar. A China quer comprar, o Brasil tem para vender, mas a logística virou nosso calcanhar de Aquiles”, disse. “Se não houver uma reação rápida, vamos assistir a um colapso anunciado.”
Rezende destacou ainda que a visita da delegação chinesa mostra que o mundo está de olho na capacidade de entrega do Brasil. “Se falharmos, perdemos espaço para outros players. Não é só uma questão de soja. É a imagem do país como fornecedor confiável que está em jogo.”
A urgência por investimentos logísticos não é nova, mas se torna cada vez mais crítica. A dependência de rodovias congestionadas e portos saturados expõe a fragilidade do sistema.
“Já passou da hora de tratarmos infraestrutura como política estratégica de Estado. Se não investirmos pesado em ferrovias, hidrovias e ampliação portuária, a conta vai chegar com juros para todo o setor”, concluiu Rezende.
Para não transformar oportunidade em crise, o Brasil precisa alinhar produção, política e logística — com visão de longo prazo, investimentos consistentes e foco em eficiência. Só assim será possível sustentar o crescimento do agro e manter o protagonismo no comércio global de alimentos.
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