Crise no setor cacaueiro: queda de 67% no recebimento nacional expõe déficit estrutural da oferta
O primeiro trimestre de 2025 começou com fortes sinais de alerta para a cadeia produtiva do cacau no Brasil.

O primeiro trimestre de 2025 começou com fortes sinais de alerta para a cadeia produtiva do cacau no Brasil. De acordo com dados divulgados pela Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), o volume de amêndoas recebidas pela indústria nacional recuou 67% em comparação com o último trimestre de 2024, totalizando apenas 17.758 toneladas entre janeiro e março deste ano. Em relação ao mesmo período do ano passado, a queda foi de 5%.
Esse é o segundo menor volume registrado para o período nos últimos cinco anos — acima apenas do resultado de 2021 — e confirma a combinação de dois fatores críticos: forte sazonalidade da colheita e déficit estrutural na produção nacional frente à demanda da indústria.
“A queda tão acentuada na virada do ano evidencia a dificuldade de sustentação da produção nacional frente à demanda da indústria”, afirma Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC.
Moagem e importações mantêm indústria operando
Apesar da escassez na oferta interna, a indústria processou 52.135 toneladas de cacau no trimestre, uma retração de 13% em relação ao mesmo período de 2024. Ainda assim, esse volume representa quase três vezes o total recebido internamente, revelando um descompasso cada vez mais agudo entre produção nacional e demanda industrial.
Para suprir parte dessa lacuna, as importações de amêndoas de cacau cresceram 30% e somaram 19.491 toneladas no trimestre. Mesmo com o reforço externo, ainda houve um déficit de 14.886 toneladas, o que obrigou a indústria a recorrer a estoques de passagem.
“Esse cenário reforça o papel das importações como mecanismo de compensação em períodos de baixa produção interna e evidencia a dependência da indústria brasileira do fornecimento externo para conseguir atender seus clientes”, complementa Anna Paula.
Bahia lidera produção; Espírito Santo surpreende
Entre os estados produtores, a Bahia manteve a liderança com 11.671 toneladas, representando 65% do total nacional. O Pará, segundo maior fornecedor, recuou 28% em relação ao primeiro trimestre de 2024. Destaque positivo foi o Espírito Santo, que apresentou alta de quase 37%, atingindo 1.743 toneladas — o maior volume da série histórica recente.
Comércio exterior também sente os efeitos
As exportações de cacau in natura caíram 65% no trimestre, com apenas 30 toneladas embarcadas. No mesmo ritmo, as importações de derivados de cacau também retraíram, totalizando 7.633 toneladas (-25,1%), enquanto as exportações de derivados caíram 2,8%, com 9.287 toneladas comercializadas.
Esses números refletem a desaceleração da demanda e os efeitos de um mercado internacional altamente volátil, influenciado por fatores climáticos e econômicos.
Análise da StoneX revela crise global
Segundo estudo da consultoria StoneX, os problemas enfrentados no Brasil são reflexo de uma crise global na cadeia do cacau. A quebra da safra 2023/24 no Oeste Africano, onde se concentram os principais produtores mundiais (Costa do Marfim e Gana), resultou em um déficit de mais de 460 mil toneladas.
Desde o ciclo 2021/22, o mercado global acumula déficits, o que reduziu os estoques mundiais para o nível mais baixo em mais de meio século. Como consequência, os preços atingiram patamares históricos e mantêm-se elevados, embora a preocupação com a retração da demanda global possa conter movimentos de alta mais acentuados ao longo de 2025.
Mesmo com uma estimativa de superávit modesto para o ciclo 2024/25, a volatilidade deve seguir marcando o mercado. A StoneX projeta que os preços continuarão elevados até o último trimestre do ano, com possibilidade de queda dependendo da recuperação climática e das perspectivas para a próxima safra.
O atual cenário traz importantes lições e desafios para a cadeia produtiva do cacau no Brasil. A dependência crescente das importações expõe a fragilidade da oferta nacional e levanta a necessidade de políticas públicas e estratégias setoriais para fortalecer a produção interna, estimular o aumento da produtividade e garantir o abastecimento da indústria.
A recuperação da produção, aliada a uma gestão eficiente dos estoques e à diversificação dos mercados fornecedores, será fundamental para garantir a competitividade do setor no médio e longo prazo. Em um mercado cada vez mais impactado pelas mudanças climáticas e pelos riscos geopolíticos, o fortalecimento da cadeia nacional de cacau é uma questão estratégica para o Brasil.
Com informações da StoneX
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