Os bastidores da troca do Cepea pela Datagro no indicador do Boi da B3

Publicado no dia 21/10/2024 às 10h17min
Com apoio de frigoríficos, balança pendeu para o lado dos Nastari

A alteração do indicador do boi gordo na B3 culmina uma novela de 14 anos com a adoção das referências da Datagro em lugar do Cepea, que o elaborava diariamente há quase três décadas.

O enredo envolveu não apenas os dois grupos, mas também atores como pecuaristas, frigoríficos, a própria B3, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), empresas de tecnologia e até esquadrões de hackers.

Como quase sempre na vida, nem todos estavam satisfeitos. Isso por si só é até compreensível já que, segundo Thiago Carvalho, coordenador técnico da pecuária do Cepea, os preços nem sempre agradam a todos.

“As críticas podem existir porque, por estarmos no meio de campo, um lado acredita que o preço deveria estar mais alto e o outro, mais baixo. É como a tabela Fipe para os carros. Ainda assim, sempre mantivemos um diálogo muito aberto sobre o indicador do boi gordo”, disse.

De fato, nenhuma das fontes consultadas pelo Agrofy News questionou a metodologia do Cepea em si. A queixa, segundo agentes do mercado, residia no tamanho da amostra, que estaria limitada pela tecnologia usada para coleta dos dados.

Nos últimos cinco anos, o pleito por uma integração digital ganhou mais adeptos. O desejo era a atualização das bases via API, a fim de garantir o cômpito de 100% das transações realizadas entre pecuaristas e frigoríficos participantes.

O Cepea não se opunha à adoção tecnológica, contudo, o avanço não foi implementado. 

“Desde 2007, o Cepea tem tentado implementar melhorias tecnológicas em seus processos, mas enfrenta resistência, especialmente por parte dos frigoríficos, que não demonstraram interesse em compartilhar dados de maneira mais aberta e colaborativa”, disse.

Uma vez que não era obrigada a compartilhá-los por força contratual, a indústria não divulgava a totalidade dos dados. 

O motivo ventilado no mercado não seria necessariamente a intenção de influenciar o indicador, mas sim questões mais prosaicas.

Impasse 
O impasse envolveu por anos aspectos tecnológicos, mercadológicos e até mesmo legais. A essa altura, todas as partes pareciam concordar que o indicador deveria evoluir. 

Até mesmo o Cepea reconheceu que, por determinado período, o indicador ficou com uma amostra menor devido a mudanças na equipe, o que foi corrigido já há meses.  Então, surgiram novos obstáculos.  

Segundo uma fonte que participou das conversações, o Cepea não teria apresentado uma tecnologia capaz de garantir a inviolabilidade dos dados a frigoríficos. Em outras palavras, uma plataforma à prova de hackers. 

A isso, o órgão respondeu que os responsáveis de TI do indicador são doutores e garantem o maior nível de segurança existente no mercado. “Nenhum sistema é completamente incorruptível, nem mesmo de governos ou do Itaú”.

Além disso, segundo um pecuarista envolvido nas negociações, o órgão público também teria tido dificuldade em indicar um responsável civil e criminal - um CPF – em caso de vazamento de dados. 

“Nossos contratos são firmados de CNPJ para CNPJ, no caso B3 e Fealq. E esse CNPJ tem responsável legal, que é o diretor-presidente e responsável técnico, o coordenador técnico. Ou seja, temos mais de um CPF. Não está ao vento”, disse a comunicação do Cepea.

Ainda assim, a demanda estava posta e chegou à Datagro, da família Nastari, que enxergou a oportunidade.

Teste com hackers

Paralelamente, a Datagro já vinha desenvolvendo seu indicador desde 2019. 

Ciente dos anseios dos frigoríficos, a empresa privada contratou no exterior os especialistas em TI que pudessem garantir a “inviolabilidade” do sistema.

“A segurança do API foi posta à prova por uma das maiores empresas de hackers que recebe altas quantias justamente para testar sistemas. Nem eles conseguiram quebrar a tranca. Daí os frigoríficos sentiram-se mais seguros”, disse a fonte ao Agrofy News.

A prova de fogo com hackers, vale a pena dizer, foi contratada pelos próprios frigoríficos que, na prática, foram o último elo a aderir ao novo indicador. A partir daí, restava apenas a demanda por um responsável.

"O próprio Dr. Plínio Nastari, dono da Datagro, assinou o termo de responsabilidade civil e criminal. Uma vez rompidas essas barreiras, o indicador tornou-se ainda mais completo e transparente, pois contempla todos os elos”, explicou.

Já o Cepea disse inclusive ter submetido uma nova metodologia à B3 recentemente e, por isso, foi surpreendido pela decisão de trocar de fornecedor. Já era tarde.

Fidedigno

O desafio dos indicadores é garantir que o máximo de produtores também informem seus negócios, pois, muitas vezes, os dados podem apresentar ligeiras imprecisões ou divergências. 

A amostra do Cepea é composta por mais de 10,4 mil pecuaristas e cerca de 150 frigoríficos – que nem sempre abriam todos os dados, além de escritórios de comercialização e leiloeiras. 

De acordo com a B3, essa base representa 40% do abate nacional.

“O Cepea destacou sua postura de imparcialidade e compromisso com a transparência e a metodologia científica na produção de seus indicadores”, informou por nota.

Já o indicador da Datagro é alimentado por 3 mil pecuaristas, menos de um terço do Cepea, e 120 frigoríficos.

Ainda assim, ele já representaria um percentual maior, de 55%, dos abates nacionais, por contar com a adesão “irrestrita” dos maiores frigoríficos do país como JBS, Minerva, Marfrig e outros 13 players da indústria. 

A maior fatia representada favorece uma maior precisão nos indicadores e também evita oscilações abruptas. 

Em outras palavras, a preocupação não se dá por preços mais altos ou mais baixos do que a realidade, mas sobre a precisão dos números como resultado da base de apuração. 

“A mudança não foi feita por desconfiança no Cepea, que continua sendo um excelente balizador de negócios para o boi gordo, bezerro, vaca, soja, milho, cana e vários outros. É fundamental que as pessoas continuem informando e se informando também com o Cepea”, disse o especialista.

Em um mercado com volume diário de milhares de cabeças, uma pequena imprecisão pode fazer grandes diferenças em valores de contratos. Por isso, a adesão dos frigoríficos foi determinante para o desfecho.

Inclusive, até agora, o novo indicador seria composto majoritariamente pelos preços comunicados pelos frigoríficos. 

Até por isso lideranças entre pecuaristas têm mobilizado seus setores a colaborar com o indicador do Boi da Datagro.

Vale dizer que o mesmo tipo de mobilização ou convocatória nunca teria sido feita em prol do indicador do Cepea.

Fim anunciado

O fim da parceria com o Cepea foi anunciado na semana passada com data marcada para fevereiro de 2025. 

Procurada pela reportagem, a B3 informou que a responsável pelo tema não poderia responder porque entrou em férias dias após anúncio.

No comunicado da B3, a diretora de produtos de commodities da B3, Marielle Brugnari, destacou que o mercado tem potencial para triplicar o volume de contratos diários do indicador, o que seria considerado saudável para o setor.

Head de commodities da bolsa desde 2023, a executiva, inclusive, participou como palestrante de evento organizado pela Datagro, o 4º Fórum Pecuária Brasil, em setembro deste ano. 

Na ocasião, curiosamente, ela destacou que os contratos abertos de boi gordo na B3 quadruplicaram de 2018 a 2024, período em que a bolsa foi atendida pelo Cepea.  

Em todo caso, o órgão ligado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiros (Esalq) da Universidade Estadual de São Paulo (USP) seguirá com a B3 por meio da elaboração dos Indicadores do Milho e do Etanol, bem como outras iniciativas em estudo.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também foi procurada, mas alegou não poder divulgar detalhes do contrato. 

A razão seria a LGDP (Lei Geral de Proteção de Dados) ainda que a reportagem não tenha solicitado a íntegra dos documentos, mas apenas as justificativas para a mudança que são de interesse público.

Caso a B3 ou a CVM tragam mais informações, elas serão publicadas nesta mesma reportagem.

Daniel Azevedo Duarte com informações do Mapa | Agrofy News

Fonte: Agrofy News

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