O que é boi bombeiro? Incêndios trazem a polêmica de volta
Tese é sustentada por alguns estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
O "boi bombeiro" voltou a ser destaque nas manchetes. Criado por Arnildo Pott, pesquisador e professor aposentado da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), a ideia ganhou repercussão nacional em 2020, durante o maior incêndio da história do bioma, que consumiu cerca de 30% do Pantanal brasileiro.
Na época, a então ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo Bolsonaro, Tereza Cristina, defendeu a expansão da pecuária como uma estratégia para reduzir as queimadas.
Essa proposta, que enfrenta resistência de ambientalistas, sugere que o gado, ao consumir a vegetação combustível, pode diminuir a intensidade dos incêndios.
Ou seja, os bovinos atuariam como agentes de limpeza, mantendo a pastagem baixa e dificultando o rápido desenvolvimento do fogo.
Por que o termo voltou às manchetes?
O termo voltou à tona graças ao governo de Mato Grosso, que sancionou uma lei que inclui a figura do “boi bombeiro” em áreas de proteção permanente (APP) para ajudar no combate aos incêndios no Pantanal, um dos biomas mais afetados pelas queimadas.
A Lei 12.653 de 2024, publicada no Diário Oficial do estado há uma semana, permite o uso da pecuária extensiva e a prática de roçadas para reduzir a biomassa vegetal combustível e os riscos de incêndios florestais.
A norma proíbe o cultivo de gramíneas não nativas em reservas legais, mas autoriza o plantio de pastagens cultivadas em até 40% da área total nas planícies alagáveis do Pantanal.
Além disso, a legislação amplia as opções para a renovação de pastagens, anteriormente limitadas a algumas espécies específicas de gramíneas.
Essa legislação foi resultado de uma negociação com o Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), que solicitou alterações na lei anterior (11.861 de 2022), alvo de ação direta de inconstitucionalidade.
Embora a pecuária extensiva em pastagens nativas já fosse permitida em áreas de proteção permanente na legislação de 2022, não havia referência ao uso do gado como instrumento para reduzir riscos de incêndio.
Em nota, o governo de Mato Grosso ressaltou que o uso da pecuária extensiva — que envolve o gado solto no pasto e demanda grandes áreas de terra — em APPs é permitido apenas em locais com pastagens nativas.
“Não é uma liberação irrestrita para criar gado no Pantanal, mas sim para que a atividade pecuária crie aceiros naturais, ajudando a reduzir a propagação dos incêndios”, afirmou a Secretaria de Meio Ambiente de MT, acrescentando que “a lei traz restrições claras, de modo que a atividade promova o desenvolvimento sustentável, econômico e social da região”.
Para o governador Mauro Mendes (União Brasil), a lei representa um importante avanço na proteção do Pantanal. Ele refutou as críticas de que essa legislação concederia um “aval irrestrito” para a criação de gado no bioma.
"A Lei 12.653 garante a preservação do Pantanal, permitindo a pecuária extensiva e roçadas apenas em áreas de preservação permanente com pastagens nativas. Ou seja, não é uma liberação irrestrita para criar gado no Pantanal, mas sim para que a atividade pecuária crie aceiros naturais, ajudando a reduzir a propagação dos incêndios", afirmou o governador.
Acesso ao uso
A promotora do MPMT Ana Luiza Perperline, que atuou na ação de inconstitucionalidade contra a lei 11.861 de 2022, explicou à Agência Brasil que a nova legislação é um avanço, pois retirou a possibilidade do uso de APPs para pecuária extensiva.
A norma anterior permitia o acesso do gado a essas áreas de proteção, enquanto a nova lei apenas permite a entrada temporária. Ou seja, o gado não pode permanecer nas pastagens nativas por tempo indeterminado.
“O boi não vai usar a área de proteção. Ele vai acessar essas áreas apenas para acessar à água. É muito difícil você restringir o acesso do gado à água, principalmente em pastagens nativas. Em determinados períodos do ano, praticamente tudo se torna água no Pantanal. Essa dificuldade nos leva à conclusão de que é impossível cercar todas essas áreas para impedir o acesso do gado”, explicou.
Para a promotora, as mudanças na lei sanaram as inconstitucionalidades apontadas pelo Ministério Público.
“A lei anterior permitia, de certa forma, usar a reserva legal com atividades que não eram permitidas pela legislação, a não ser mediante manejo florestal sustentável”, completou.
Boi bombeiro é defendido por estudos
A tese do "boi bombeiro" é sustentada por alguns estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Segundo o governo de Mato Grosso, “a permissão sustentável da pecuária no local é fundamentada em mais de 50 anos de estudos da Embrapa Pantanal”.
Para a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), a sanção da lei é motivo de celebração não apenas para os produtores, mas para a sociedade em geral.
“Ao longo dos anos, especialmente na última década, o homem pantaneiro foi economicamente expulso de suas terras, seja pela falta de recursos ou pela estrutura e logística limitadas devido a essas restrições no uso, resultando em uma considerável diminuição dos rebanhos. A exploração pecuária no Pantanal remonta a mais de três séculos, e hoje é o ecossistema com a maior área privada, ultrapassando 90%”, afirma o Diretor Técnico da Acrimat, Francisco Manzi.
No entanto, a tese é contestada por especialistas e ambientalistas. Um levantamento de 2020 do professor Ubirajara Oliveira, do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostrou que nas cidades com maior número de cabeças de gado no Pantanal havia uma concentração significativa de focos de incêndio.
Para o biólogo Gustavo Figueroa, diretor do Instituto SOS Pantanal, existe um fundo de verdade nessa tese, mas sua eficácia é relativa.
“O boi, em algumas ocasiões e em alguns locais, vai diminuir a matéria orgânica, mas não dá para imaginar que colocando boi por todos os lugares vai diminuir os incêndios. Várias fazendas que têm atividade pecuária também pegaram fogo”, analisou.
Por Redação com informações da Agência Brasil | Agrofy News