Saiba como nova lei pretende estimular a produção de alimentos nas cidades

Publicado no dia 30/07/2024 às 16h24min
Segundo especialistas, política depende de articulação entre governos

redação com informações da Agência Brasil e Agência Senado | Agrofy News

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou lei que institui a Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana (Lei 14.935, de 2024). A nova norma foi publicada na segunda-feira (dia 29) no Diário Oficial da União.

Entre os benefícios da política estão o aumento da produção de alimentos locais, a agilidade no transporte, a capacidade de geração de emprego e o fornecimento de itens alimentícios a famílias de baixa renda.

Segundo especialistas no assunto, o potencial da nova política é grande, mas dependerá de incentivos públicos e da articulação entre os governos federal, estaduais e municipais para que seja concretizado.

A lei sancionada define a Agricultura Urbana e Periurbana (AUP) como atividade agrícola e pecuária desenvolvida nas áreas urbanas e  ao redor do perímetro das cidades.

A norma também define sete objetivos para essa política nacional:

ampliar a segurança alimentar e nutricional das populações urbanas vulneráveis;
propiciar a ocupação de espaços urbanos e periurbanos livres, ociosos e subutilizados;
gerar alternativa de renda e de atividade ocupacional à população urbana e periurbana;
articular a produção de alimentos nas cidades com os programas de abastecimento e compras públicas para alimentação em escolas, creches, hospitais, asilos, equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional, estabelecimentos penais e outros;
estimular o trabalho familiar, de cooperativas, de associações e de organizações da economia popular e solidária voltado para a agricultura urbana e periurbana;
promover a educação ambiental e a produção agroecológica e orgânica de alimentos nas cidades;
difundir a reciclagem e o uso de resíduos orgânicos, de águas residuais e de águas pluviais na agricultura urbana e periurbana.


A articulação com programas de abastecimento e de compras públicas destinadas a escolas, creches, hospitais e outros estabelecimentos públicos também está entre as finalidades da nova política.

A lei prevê que essa política será planejada e executada de forma descentralizada, com a cooperação entre União, estados, municípios, entidades da sociedade civil e instituições de ensino, pesquisa e extensão.

Também prevê, entre outras medidas, o estímulo e o apoio a feiras livres e outras formas de comercialização direta entre agricultores urbanos e periurbanos e consumidores, além de linhas especiais de crédito para esses agricultores.

Potencial
A diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, Jaqueline Ferreira, detalha o potencial estimado de crescimento do setor.

"Estamos falando de uma agricultura que já acontece nas cidades, mas é invisibilizada. Todas as grandes metrópoles e capitais brasileiras já possuem iniciativas do tipo. No entanto, como a agricultura como atividade econômica historicamente está associada ao meio rural, esses produtores não conseguem acessar políticas públicas pelo fato de muitos deles não serem reconhecidos como estabelecimentos agropecuários", disse.

Segundo ela, entre as dificuldades estão o acesso ao crédito e a regularização dos empreendimentos pelos produtores.

Diante da realidade de ausência de atenção nas últimas décadas, o setor apresenta grande capacidade de expansão. De acordo com pesquisas do Instituto Escolhas, se apenas 5% dos espaços mapeados como possíveis áreas de expansão da Agricultura Urbana fossem concretizados em três cidades brasileiras (Curitiba, Recife e Rio de Janeiro), cerca de 300 mil pessoas poderiam ser abastecidas, por ano, com os alimentos produzidos.

Na capital paranaense, esse dado significa que 96% do total de pessoas em situação de pobreza poderiam ser beneficiadas com a implantação de novas unidades produtivas. Para isso, seriam necessários investimentos e incentivos.

Estudos feitos pela instituição mostram que, em Belém, a prática tem potencial para abastecer 1,7 milhão de pessoas com legumes e verduras - número maior do que a população local, de 1,5 milhão.

A diretora do instituto cita, entre os principais benefícios da legislação, a geração de emprego e renda, o aumento da segurança alimentar de áreas periféricas mais vulneráveis, a redução do desperdício de alimentos e do custo de produção, uma vez que o transporte de alimentos ocorrerá para localidades próximas. 

Somente na Região Metropolitana de São Paulo, a agricultura orgânica nas áreas periurbanas poderia gerar 180 mil empregos - simulação realizada nas atuais áreas de pastagem, sem necessidade de avanço para regiões de preservação e conservação ambiental.

Avanço
O pesquisador Leonardo de Freitas Gonçalves, doutorando em Geografia e Meio Ambiente na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), avalia a legislação como um avanço significativo e necessário, especialmente pelo crescimento da agricultura urbana no mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Ele cita também como avanço o decreto 11.700/2023, que instituiu no ano passado o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana.

"A política é uma iniciativa muito importante não só para incentivar a agricultura urbana e periurbana, mas também para dar visibilidade a essa gente que se dedica à produção de alimentos nas cidades e nem sequer é percebida pelos moradores, tampouco pelas prefeituras", observa.

Durante sua pesquisa de doutorado, Leonardo Gonçalves acompanhou uma horta comunitária no subúrbio do Rio de Janeiro criada por iniciativa de moradores de um conjunto habitacional que passavam por dificuldades financeiras e de segurança alimentar durante a pandemia de Covid-19.

"Foi um dos locais que mais me impressionou na garantia da função social da propriedade de uma área anteriormente ociosa e até degradada. Ainda há muito o que progredir e os avanços legislativos podem contribuir para a expansão de iniciativas semelhantes", defende. 

Cooperação
Segundo Jaqueline Ferreira, os atores das diferentes unidades da Federação deverão trabalhar em conjunto, em especial o governo federal e as prefeituras, para que essa perspectiva se torne realidade.

"Se o governo federal não fizer um esforço, com um programa robusto de fomento, fica muito difícil para os entes locais terem força para, sozinhos, desenvolverem experiências de agricultura urbana e operações locais", analisa. Já os governos municipais precisam atuar na articulação com empresas e grupos interessados no setor, facilitando o acesso aos terrenos e realizando parcerias.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), desde a instituição do decreto, em 2023, R$ 7 milhões já foram investidos no apoio a iniciativas de produção de alimentos saudáveis nas cidades e no estímulo a hortas comunitárias em diversos estados.

Ainda segundo o MDA, a nova legislação incentiva a criação e o funcionamento de feiras livres e outras formas de comercialização direta, e linhas especiais de crédito deverão ser estabelecidas para os agricultores urbanos e periurbanos, facilitando o acesso a recursos financeiros "essenciais para o investimento na produção, processamento e comercialização".

Fonte: Agrofy News

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