Moscas: impactos no rebanho e como fazer controle estratégico

Publicado no dia 16/07/2024 às 11h01min
Nos meses de primavera e verão, o clima se torna mais quente e úmido, apresentando condições climáticas favoráveis para o aumento da infestação por ectoparasitas, principalmente moscas.

Nos meses de primavera e verão, o clima se torna mais quente e úmido, apresentando condições climáticas favoráveis para o aumento da infestação por ectoparasitas, principalmente moscas, mas considerando que muitos trabalhos indicam pouca correlação significativa entre fatores climáticos e resultados de contagens de moscas em animais, as medidas de controle são recomendadas em todas as épocas do ano, evitando os picos de infestação e reduzindo perdas econômicas nos rebanhos, já que é um problema que afeta os animais nas diversas estações do ano, em maior ou menor grau.

Entre as moscas mais frequentemente encontradas em rebanhos leiteiros, podemos destacar a mosca-berneira ou varejeira (Dermatobia hominis), a mosca-dos-chifres (Haematobia irritans), a mosca-dos-estábulos (Stomoxys calcitrans) e a mosca doméstica (Musca domestica) (Figura 1). Das espécies de moscas citadas, a mosca-dos-estábulos e a mosca-dos-chifres são hematófagas, o que significa que se alimentam do sangue de mamíferos merecendo maior atenção.

Figura 1. A - Mosca-berneira ou varejeira (Dermatobia hominis); B - mosca-dos-chifres (Haematobia irritans); C - mosca-dos-estábulos (Stomoxys calcitrans) e D - mosca doméstica (Musca domestica).

Mosca-berneira ou varejeira (Dermatobia hominis); B - mosca-dos-chifres (Haematobia irritans); C - mosca-dos-estábulos (Stomoxys calcitrans) e D - mosca doméstica 

Fonte: FUNDEPEC - Goiás.

Ciclo de vida das moscas

Existem muitos dados sobre os ciclos biológicos e comportamentos das moscas que, em alguns casos, diferem um pouco entre si. Essas variações se devem às condições climáticas das diferentes regiões ou das condições artificiais quando estudos são conduzidos em laboratórios. Os ciclos são importantes para se definir os controles a serem feitos.

A mosca doméstica é a que menos afeta os rebanhos por espoliação direta, a sua importância está no potencial de transmitir doenças. As fêmeas depositam ovos em matéria orgânica em decomposição, incluindo esterco e restos de vegetais. As larvas eclodem e passam por três estágios larvais, desenvolvendo-se em 3 a 7 dias, quando originam as pupas no solo ou em substratos secos, onde permanecem por 3 a 5 dias. Os adultos emergem e têm uma dieta variada, podendo se alimentar de qualquer tipo de matéria orgânica.

Já a fêmea mosca-berneira captura outras moscas ou insetos durante o voo e deposita seus ovos sobre eles, o que dificulta o controle, pois está relacionado a um grande número de insetos. Quando os insetos que carregam os ovos pousam nos bovinos, esses ovos eclodem e as larvas penetram na pele, desenvolvendo-se em um período de 5 a 10 semanas, causando as lesões conhecidas como "berne". As larvas maduras caem ao solo e se transformam em pupas, onde permanecem por 30 a 60 dias, quando emerge o inseto adulto, que vive aproximadamente 7 a 10 dias.

Já as fêmeas da mosca-dos-chifres depositam ovos no esterco fresco, as larvas eclodem e passam por três estágios larvais, levando cerca de 5 a 7 dias para se tornarem pupas, que ficam por 6 a 8 dias no solo, perto do esterco, até se tornarem adultos e passarem a maior parte do tempo se alimentando de sangue sobre a pele dos bovinos.

As fêmeas da mosca-dos-estábulos depositam ovos em matéria orgânica em decomposição, esterco, restos de vegetais e animais. As larvas eclodem e passam também por três estágios, completando o desenvolvimento de 1 a 3 semanas. As larvas formam pupas no solo, onde permanecem por 6 a 20 dias, quando emergem como adultos para se alimentarem de sangue, frequentemente atacando os bovinos principalmente nas patas e flancos. Cada fêmea pode produzir mais de sete ciclos, fazendo postura de cerca de 500 a 1.000 ovos durante sua vida.

A mosca-dos-chifres é mais prevalente durante a primavera e o verão, pois a reprodução desta mosca é favorecida por altas temperaturas e umidade, o que acelera seu ciclo de vida aumentando rapidamente suas populações. De acordo com a pesquisadora da Embrapa Rondônia, Luciana Gatto Brito, o tratamento para combater moscas deve ser feito na primeira quinzena de outubro e na última quinzena de março. “Isso mantém a população controlada durante essa época, que é a mais crítica em relação à infestação pela mosca-dos-chifres”, afirma. Logo no início do período da seca, a infestação reduz naturalmente. Isso ocorre porque as moscas se reproduzem no esterco do gado, e durante a estação seca, ele desseca mais rapidamente nos campos, dificultando as condições ideais para o desenvolvimento das moscas.

Já a mosca-dos-estábulos, embora seja mais prevalente na primavera e no verão, pode apresentar surtos durante todo o ano, especialmente em áreas com manejo inadequado de resíduos, pois esta mosca se utiliza de ambientes com acúmulo de matéria orgânica em decomposição não só do esterco, mas também em resíduos orgânicos de origem vegetal ou animal, úmidos e em processo de decomposição ou de fermentação, tais como: feno, silagem, material verde picado, palha de forrageiras, palha de cana-de-açúcar, compostagem mal manejada e restos de diversas culturas. A pesquisadora acrescenta que devido a variedade de substrato para sua reprodução e desenvolvimento, a infestação dessa mosca está presente durante todo o ano, embora seja intensificada no período das chuvas.

Impactos observados quando não há controle de moscas

O impacto mais importante diz respeito ao bem-estar animal, e bem-estar significa bons índices produtivos. A presença dos insetos causa grande desconforto e estresse nos animais, o que pode levar a alterações no comportamento, como agitação e perda de apetite. As larvas da mosca-berneira penetram na pele dos bovinos e, como complicações graves, cita-se abscessos, miíases (bicheiras, larvas de Cochliomyia hominivorax) e o surgimento de infecções secundárias. Larvas de berne e demais miíases desvalorizam o couro do animal.

As moscas-dos-chifres ficam sempre de cabeça para baixo e passam o dia todo sobre o animal, principalmente ao redor dos chifres e cupins, suas picadas são constantes e doloridas e provocam grande irritação nos bovinos. Picam os animais cerca de 25 a 40 vezes por dia e, cada sucção pode durar de quatro a cinco minutos. Já a mosca-dos-estábulos permanecem sobre os bovinos por 24 horas e podem picá-lo até 40 vezes em apenas cinco minutos. Além de ocasionar grande perda de sangue, as suas picadas são muito dolorosas e dependendo do grau de infestação provocam muito estresse com alterações no comportamento dos animais.

As moscas em geral, principalmente as hematófagas, são capazes de transmitir diversos patógenos causadores de ceratoconjutivite, brucelose, tuberculose, mastites, onfaloflebite, diarreias, verminoses, rinite e outras tantas doenças. Destaca-se a atuação como vetores mecânicos na transmissão do Trypanosoma sp. ou vetores biológicos na transmissão da mosca-berneira.

O estresse faz com que os bovinos deixem de se alimentar, passando muito tempo para tentar se livrar desses insetos, o que pode resultar em acentuada perda de peso e diminuição na produção do leite. Algumas pesquisas mostram que uma infestação com 500 moscas-dos-chifres, aproximadamente, leva a uma perda de 40 quilos por animal por ano e cerca de 150 litros de leite durante toda a lactação, explicados principalmente pela perda de sangue e os efeitos de estresse.

Controle estratégico de moscas

O controle estratégico de moscas nos rebanhos bovinos deve envolver a combinação de práticas de manejo, controle químico, controle biológico e monitoramento contínuo. O produtor deve procurar ajuda de profissionais para realizar diversas medidas:

1. Manejo ambiental:

- Limpeza Regular: limpeza das instalações removendo esterco, resíduos de alimentos e material orgânico vegetal ou animal em decomposição;

- Destino adequado para o esterco: investir em sistemas de compostagem ou destinar o esterco para plantações e capineiras, para que ocorram a desidratação e decomposição rápidas;

- Manutenção de pastagens: rotacionar pastagens e drenar áreas alagadas.

2. Controle químico:

- Inseticidas tópicos e sistêmicos aplicados nos animais: utilizar produtos químicos específicos para moscas, aplicando-os através de sistemas de pulverização. Inseticidas pour-on e spray são eficazes para a mosca-dos-chifres e a mosca-dos-estábulos, quando se há o cuidado de utilizar a quantidade correta para o peso do animal, evitando produzir resistência dos insetos e ainda, os sprays tópicos em determinados períodos do ano reduzem a população de moscas, contudo tem resultados melhores quando aplicamos em animais confinados. Em animais a pasto, tendem a perder eficiência;

- Brincos mosquicidas: o ideal para o início dessa medida é esperar até que se tenha mais de 200 moscas por animal, ao se colocar cedo sua eficiência é afetada;

- Armadilhas e iscas: depositar armadilhas de moscas nas áreas de maior incidência e utilizar iscas com atrativos para capturar insetos adultos. Existem mecanismos auto dosadores de inseticida, mas os locais de instalação são de extrema importância, pois o ideal é estarem instalados onde os insetos mais frequentam, além da necessidade de manter os dispositivos carregados;

- Rotação de princípios ativos: alternar o uso entre diferentes classes de inseticidas para evitar o desenvolvimento de resistência por parte das moscas.

3. Controle Biológico:

- Insetos parasitoides: como vespas que parasitam ovos e larvas de moscas, ajudando a controlar suas populações;

- Predadores naturais: atuar na conservação de espécies de pássaros e outros insetos que se alimentam de moscas e suas larvas. O besouro popularmente conhecido como “rola-bosta”, de acordo com Marcia de Sena Oliveira, da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), é uma boa opção, pois quebra o bolo fecal, assim proporcionando a entrada de luz nele, o que prejudica o desenvolvimento das larvas;

- Bacillus thuringiensis: é uma bactéria que atua como larvicida, matando as larvas de moscas sem afetar outros organismos;

4. Monitoramento e avaliação:

- Monitoramento regular: inspecionar regularmente os animais e as instalações para detectar infestações de moscas e avaliar a eficácia das medidas de controle implantadas;

- Registro de infestações: manter registros detalhados dos tipos de populações de moscas, quantidade média, métodos de controle utilizados e resultados observados para ajustar as estratégias conforme necessário;

- Educação e treinamento: os trabalhadores da propriedade devem entender sobre a importância do controle correto de moscas e as práticas adequadas para prevenir e controlar infestações, além de reduzir a resistência dos insetos aos meios de controle.

5. Medidas Adicionais:

- Uso de telas e redes: em galpões, janelas e portas das instalações para impedir a entrada de moscas;

- Tratamento eficiente de feridas: tratar rapidamente qualquer ferida nos animais para evitar a atração de moscas e a infecção por larvas de moscas;

Essas medidas devem ser associadas para que se obtenha sucesso no controle das moscas, para isso, deve-se ter a presença de um profissional qualificado capaz de orientar quais serão as melhores medidas para a propriedade e rebanho em questão.

Em geral, nas estações críticas, primavera e verão, devido ao aumento da temperatura e da umidade que geram condições ideais para a reprodução das moscas, as populações desses insetos tendem a crescer, causando maior estresse nos animais, então o controle deve ser bem mais eficaz nessa época, iniciando semanas antes das chuvas. A indicação de uso é de 30 dias antes das moscas emergirem do solo (começo de outubro) e 30 dias após o fim da estação quente (fim de março). Embora as populações de moscas possam diminuir devido ao clima mais frio de outono e inverno, nessas estações também é importante continuar com as medidas preventivas, porque algumas espécies de moscas podem se abrigar em áreas protegidas, como celeiros ou estábulos, aparecendo em menor número nos meses mais secos ou retomando suas atividades na primavera.

De acordo com a Embrapa Pecuária Sudeste, o controle dessa mosca por inseticida é complexo e o uso inadequado e frequente de produtos químicos favorece a seleção de parasitas resistentes, por isso, o produtor precisa fazer o chamado controle racional, que consiste em controlar a infestação e não erradicar a mosca-dos-chifres, mantendo um número razoável desses parasitas no rebanho.

Considerando as medidas anteriormente citadas, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, sancionou a Resolução nº 38 de 03 de julho de 2017, que “Cria o programa de controle e prevenção de surtos da mosca-dos-estábulos (Stomoxys calcitrans) causador de dano à população ou à pecuária”.

Importante salientar que a ideia é controlar a infestação e não erradicar a população de moscas, considerando que em até 100 moscas por animal não devem ser tomadas ações mais drásticas, somente manutenção do sistema de controle e prevenção. Com isso, temos que selecionar os bovinos em categorias, assim ajudando a manter o nível de infestação aceitável até mesmo em animais mais suscetíveis, como vacas com bezerro ao pé.

 

Autoras: 

1Ana Luísa de Souza Millan Cesar

1Giovana Machado Esposito

2Ana Paula Lopes Marques

 

¹Discentes do curso de Medicina Veterinária, UFRRJ, Membros LiBovis; ²Orientadora, LiBovis-UFRRJ

 

Referências consultadas:

‌ALVARES, Luana Paula Teixeira et al. Revisão de literatura: controle e impacto das moscas-dos-chifres na bovinocultura e resistência genética dos bovinos. 2022. Monografia (Graduação em Medicina Veterinária) – Faculdade de Medicina Veterinária,  Universidade Federal de Uberlândia. Disponível em: < https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/34712/1/Revis%c3%a3oLiteraturaControle.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2024.

BRITO, Luciana Gatto et al. Mosca-dos-chifres: aspectos bio-ecológicos, importância econômica, interações parasito-hospedeiro e controle. EMBRAPA: Comunicado Técnico 302. 2005. Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/24807/1/Cot302-mosca-dos-chifres.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2024.

SAA. Secretaria de Agricultura e  Abastecimento do estado de São Paulo. Resolução SAA - 38, de 03/07/2017. Disponível em: <https://www.defesa.agricultura.sp.gov.br/legislacoes/resolucao-saa-38-de-03-07-2017,1122.html>. Acesso em: 02 fev. 2024.

ZANETI, Eduardo Aron de Oliveira. Impacto da mosca-dos-chifres (Haematobia irritans) na pecuária leiteira: revisão bibliográfica. 2023. Monografia (Graduação em Medicina Veterinária) - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP, Câmpus de Jaboticabal. Disponível em: < https://repositorio.unesp.br/server/api/core/bitstreams/f24d9885-1221-4c6d-82e1-0c750ea30029/content>. Acesso em: 21 jan. 2024.

Fonte: MilkPoint

ÚLTIMAS

Fale Conosco

RUA B 21 QUADRA 25 CASA 05 ITANHANGA UM CEP 75680 456 Caldas Novas/GO
(66) 9995-30168 | (64) 3453-5179 | (66) 99953-0168
contato@portalghf.com.br