Demanda do consumidor estimula produção do leite tipo A2
Tudo começou em 2009, quando Eduardo Falcão, proprietário da Estância Silvânia, em Caçapava, no Vale do Paraíba (SP), recebeu a visita do médico nutrólogo paulista Wilson Rondó Júnior, que lhe falou sobre as virtudes do leite tipo A2.
O produto de mais fácil digestão foi identificado na Nova Zelândia na década de 1990 e começou a ser comercializado no país em 2003.
A Estância Silvânia produzia leite do tipo B e era conhecida pelo destaque nas pistas de julgamento, por causa da alta qualidade genética da seleção de gado da raça gir. “Conquistamos sete vezes o título de campeões nacionais, onze vezes fomos os líderes em exposições estaduais e vencemos vários concursos leiteiros”, lembra Falcão.
Poucos anos após a visita de Rondó, Falcão ficou ainda mais animado ao saber que o leite A2 e seus derivados eram negociados em outros países, também na Austrália, por preços muito maiores que os do tradicional tipo A1 e, principalmente, pela tendência de crescimento rápido desse nicho de mercado no Brasil.
“O consumidor passou a exigir produtos mais saudáveis. No caso do leite A2, ele tem uma proteína denominada beta-caseína A2, que não é alergênica”, afirma o produtor, que sempre gostou de desafios e de acompanhar as mudanças. Ele começou a produzir em 2012, auxiliado por um especialista da Embrapa Gado de Leite, que iniciava a seleção de touros para detectar o leite A2.
O pecuarista conta que o mercado paga até três vezes mais pelo leite A2 e seus derivados, devido ao teor de proteína. Além disso, a Estância Silvânia passou a produzir derivados destinados exclusivamente ao sofisticado mercado gourmet.
“Temos o queijo e a muçarela, além de ricota, iogurte e manteiga. Também o queijo maturado, que é mais nobre, possui um sabor especial e o tempo de validade é maior. No total, são 15 tipos de queijos”, diz ele, que faz no capricho um saboroso e apreciado doce de leite.
Eduardo Falcão explica que o leite tipo A2 tem origem nas vacas com genes A2A2. Estas herdaram do pai e da mãe a capacidade de produzir a proteína beta-caseína A2, presente também no leite materno. Segundo ele, as vacas com genes A1A1 ou A1A2 produzem a beta-caseína A1, proteína que, de acordo com alguns estudos, libera uma substância que pode causar desconforto intestinal. Esse tipo de leite (A1) é de longe o mais vendido. “Já a caseína 2 é mais fácil de digerir.”
A diferença elástica de preços e a plena aceitação pelo mercado do leite e derivados do tipo A2 levaram o pecuarista a investir na produção. “Foi compensador”, diz. De acordo com Falcão, o litro de leite A2 vendido pela Estância Silvânia na forma de derivados lácteos é até quatro vezes mais caro que o leite convencional.
�??
A Estância Silvânia tornou-se a pioneira no leite A2 no Brasil. A produção é de 700 litros por dia, destinados à fabricação de derivados, que são vendidos no Vale do Paraíba e na capital paulista. Falcão informa que a média de produção de leite das fêmeas gir leiteiro chega a 17 quilos, considerada boa. “As fêmeas são tratadas a pasto e recebem suplementação somente após a ordenha”, diz.
O mercado do leite A2 está crescendo, graças à intensa procura por parte do consumidor. No início, até se pensou que não haveria tamanho interesse. A afirmação é do zootecnista Marcos Vinicius Barbosa da Silva, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, que conduz trabalhos de melhoramento genético em parceria com as associações de criadores das raças gir e girolando, visando impulsionar o segmento do leite A2.
A Embrapa organiza os sumários de touros que apresentam características para a produção do leite A2 cujo sêmen será usado na fertilização das vacas.
Segundo Barbosa, os sumários são fundamentais para a crescimento da produção do A2, ao permitir a escolha do touro correto. No início, as centrais de inseminação não possuíam sêmen de reprodutores A2 disponíveis e havia dificuldades para tocar o projeto. Ele observa que cada vez mais surgem interessados na seleção de animais que produzem o leite A2.
Tanto Marcos Vinícius Barbosa como Eduardo Falcão ressaltam que os produtores de leite A1 não devem ficar preocupados. “O leite A2 chegou para agregar. É uma opção para os consumidores e os pecuaristas.” Essa explicação é compartilhada por outros produtores e estudiosos entrevistados.
E as propriedades que estão produzindo leite A2 e dezenas de derivados não param de expandir. Não havia nenhuma até 2012 e, atualmente, 20 fazendas trabalham com o leite A2, somando um total de 35 milhões de litros ao ano.
Há uma intensa movimentação para ocupar uma fatia maior do mercado. O avanço tem sido facilitado, entre outros fatores, por órgãos conceituados da pecuária brasileira, como o Instituto de Zootecnia (IZ) da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, que conduz um projeto de seleção das raças holandesa, jersey e girolando para a produção do A2.
Genética do leite A2 (Foto: Fonte: Embrapa Gado de Leite)
As pesquisas têm realizado a seleção por meio da genotipagem dos animais para os alelos da beta caseína A (A1 e A2), com vistas a selecionar matrizes que produzam leite contendo a beta caseína A2, informa o IZ.
A maioria das centrais de inseminação hoje tem doses de sêmen de touros que apresentam a proteína A2. Difícil encontrar alguma que não ofereça ampolas. Assim, facilidade de acesso ao material genético comprovado ajuda na progressão do A2 pelo país. Só a Estância Silvânia mantém 19 reprodutores em serviço em centrais.
Há fazendas produzindo o A2 em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul. Em Descalvado, cidade do interior paulista, fica a Agrindus, comandada pela família Jank. Foi Roberto Jank quem fundou a marca, há 75 anos. Hoje, seus filhos Roberto e Jorge são responsáveis pela batuta da pecuária leiteira.
Com um gado holandês aprimorado há décadas, a Agrindus acompanhou a introdução do leite A2 no país e está fabricando 100% de produtos derivados da marca Letti com o não alergênico. “Preparamos e entregamos aos supermercados iogurte de diferentes sabores, coalhadas com banana, abóbora, queijos, e muito mais.”
A mudança na Agrindus está sendo meticulosa, mas acelerada. “As vacas A2 são cobertas somente com sêmen A2 e, a partir deste ano, todos os bezerros vão nascer com a genética A2. A Agrindus não irá mais reproduzir vaca A1.” São 1.700 vacas em lactação que produzem uma enxurrada de leite: mais de 60 mil litros ao dia.
Roberto Jank Júnior aposta no crescimento da oferta de leite tipo A2 e derivados não só porque o brasileiro está aumentando o consumo. Ele observa que a China incrementa em 35% esse mercado ao ano e o país asiático importa produtos. Até prêmio internacional a Agrindus já ganhou pelo desempenho com o leite A2. Foi o da Fundação Mapfre, que valoriza iniciativas no setor agropecuário. A Agrindus foi a vencedora em 2019.
Neste mesmo ano, foi lançado um selo de qualidade, que dá confiança ao indicar que o leite ou derivado é proveniente de vacas que contêm apenas caseína A2 em sua composição, conta Helena Fagundes Carsburg, médica-veterinária e gestora do Programa de Certificações da Integral Certificações, cuja sede fica em Belo Horizonte (MG).
Produto da marca Letti, fabricado com o leite A2 pela Agrindus (Foto: Sebastião Nascimento )
Para receber a certificação, é feita a rastreabilidade de todo o processo produtivo do A2 da fazenda. Uma auditoria conduzida pelos profissionais vai comprovar se os produtores seguem as normas acordadas, inclusive as relativas às responsabilidades sociais e ambientais.
A marca Letti A2, da Agrindus, foi a primeira a receber a certificação, no ano passado. Roberto Jank Júnior, da Agrindus, e Eduardo Falcão, da Estância Silvânia, concordam ao afirmar que, a partir da certificação da produção, o leite A2 ganhou ainda mais reconhecimento e credibilidade no Brasil.
As informações são do Globo Rural, adaptadas pela equipe MilkPoint.