Agronegócio
Produção de leite no Semiárido: a realidade na Bacia do Rio Piranhas-Açu
O setor agropecuário é um dos principais contribuintes para o desenvolvimento econômico do Brasil.
O setor agropecuário é um dos principais contribuintes para o desenvolvimento econômico do Brasil. O país é protagonista na produção de leite, representando o terceiro maior produtor mundial, com soma total de 35 bilhões de litros/ano, de acordo com o relatório recentemente divulgado pelo USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), sendo as regiões Sul e Sudeste responsáveis por 67,8% da produção nacional, seguidas pelas regiões Centro-Oeste (11,3%), Nordeste (15,7%) e Norte (5,3 %) (IBGE, 2021).
O Anuário Leite 2023 da Embrapa Gado de Leite menciona que o volume da produção leiteira nacional pouco evoluiu nos últimos anos. Em 2013, o país produziu 64,5 milhões de litros/dia de leite inspecionado. Este valor subiu apenas para 64,9 milhões em 2022, contudo houve importante redistribuição espacial da produção.
A região Sudeste reduziu a produção de 26 milhões de litros/dia em 2013 para 24,1 milhões em 2022, provocado pela queda de produção de leite no Estado de São Paulo, que neste período recuou 18,1%. A Região Sul veio apresentando um crescimento constante a partir dos anos 2000, com crescimento de 33,4%, consolidando-se como a primeira região em produção de leite no país, atualmente.
A produção também decresceu no Norte e no Centro-Oeste, porém o destaque positivo ficou para o Nordeste, com aumento de 63% no período, o maior entre todas as regiões do Brasil. Essa região aumentou a produção de leite inspecionado de 3,1 para 5,1 milhões de litros/dia.
Ainda de acordo com dados do Anuário Leite 2023 da Embrapa Gado de Leite, a produtividade nordestina tem crescido mais rapidamente que a brasileira, demonstrando o dinamismo da região na inovação e na produção. Ganhos de tecnologia e em gestão das propriedades têm proporcionado não só o aumento da produção como também da produtividade leiteira.
Entre 2014 e 2021, a principal bacia da região Nordeste apresentou um crescimento de 61,33%, a uma taxa de aproximadamente 8,76% ao ano, enquanto a dos três estados com maior representatividade leiteira no Nordeste (Pernambuco, Alagoas e Sergipe) atingiu 2.787 litros/vaca/ano. Este crescimento é fruto de investimentos no setor e das condições climáticas nos últimos anos.
No semiárido nordestino, representado pelos estados da PB, RN, PE, BA, CE, SE, AL, e PI com suas condições ambientais características (SILVA NETO e MARQUESAN, 2020; MENDONÇA et al., 2020), a pecuária leiteira é uma atividade econômica, social e cultural importante para a região, conforme mencionam Meira et al. (2021). Essa atividade contribui para a segurança alimentar, nutrição e geração de emprego e renda para as famílias (SILVEIRA et al., 2022).
Um dos maiores desafios da produção de leite no semiárido nordestino é a restrição no uso da água. Regiões que possuem bacias hidrográficas abundantes, como a Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu, apresentam uma vantagem significativa. Esta bacia, localizada nos estados da Paraíba (PB) e Rio Grande do Norte (RN), é rica em recursos hídricos, o que permite o desenvolvimento de uma produção leiteira mais representativa.
De acordo com dados do IBGE (2022), a produção de leite no Rio Grande do Norte e na Paraíba, especialmente nas áreas atendidas pela Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu, tem mostrado potencial de crescimento constante. Em 2022, a produção de leite no Rio Grande do Norte foi de aproximadamente 346 mil litros no ano, enquanto na Paraíba foi de cerca de 291 mil litros.
Diante desse contexto, este estudo, produto de um projeto realizado pelo INSA e UFCG com apoio da SUDENE, traça uma análise descritiva do sistema de produção da pecuária leiteira bovina na Bacia hidrográfica do rio Piranhas-Açu, enfatizando suas características e limitações.
Ao acompanhar 196 fazendas produtoras de leite bovino com propriedades próximas ao corpo d’agua da bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu, distribuídos nas cidades de Pombal, Coremas, São Bento, Paulista, Cajazeirinhas no estado da Paraíba e Jardim de Piranhas, Itajá e Jucurutu no estado do Rio Grande do Norte, conforme descrito em Gonçalves et al. (2024), os produtores foram perguntados sobre o motivo de escolherem a atividade leiteira, 28,6% dos pecuaristas afirmaram seguir a tradição familiar, enquanto 13,8% acreditam que é um negócio lucrativo. Além disso, 9,7% disseram não saber fazer outra coisa e 1,5% acham que a região não permite o desenvolvimento de outra atividade.
Em relação à intenção de expandir a atividade, 76% dos produtores manifestaram o desejo de expansão, porém, 25% dos entrevistados querem manter a produção como está, reduzi-la ou encerrar as atividades. Os principais motivos para abandonar a pecuária leiteira incluem altos custos de manutenção, retorno financeiro lento e dificuldade em encontrar mão de obra especializada. Vale destacar que 21,5% dos produtores que não desejam expandir a atividade recebem até dois salários mínimos por mês a partir da atividade leiteira, o que pode explicar o desânimo com a atividade.
Sobre a sucessão da operação leiteira, 60% dos pecuaristas que pretendem expandir a atividade planejam deixar o legado para os filhos, enquanto 7,22% não pretendem expandir e nem os filhos têm interesse na atividade. Além disso, 13,92% dos produtores acreditam que os filhos venderão a propriedade e 6,70% presumem que os filhos deixarão a zona rural reforçando o êxodo rural dos jovens, o que pode levar ao abandono das terras e à diminuição da produção rural.
Embora muitos produtores se organizem em cooperativas, associações e sindicatos, 48% não participam de nenhuma entidade de classe. Além disso, 59% dos produtores não têm acesso à assistência técnica, mas as propriedades que recebem assistência técnica são visitadas periodicamente, pelo menos bimestralmente. Ressalta-se que 56% das propriedades sem assistência técnica não são ligadas a nenhuma entidade de classe.
Pode-se observar que há maior produtividade média por dia nas propriedades que apresentam mais de 50 vacas em lactação (Tabela 1). Também, nas propriedades com rebanho entre 26 a 140 vacas, é observado a maior produção de leite por hectare durante o ano, mostrando que as propriedades de menor porte conseguem manter uma boa performance produtiva mesmo com menor área de pastagens.
Tabela 1. Tamanho do rebanho e a relação com a produção média de leite no Semiárido brasileiro.
Número de vacas |
Vacas em lactação |
Produção de leite por vaca (L/dia) |
Produção de leite na fazenda (L/dia) |
Produção de leite/ha/ano (L) |
Tamanho da propriedade (ha) |
Homens dedicados à ordenha |
De 9 a 25 |
7,27 |
6,26 |
54,00 |
868,72 |
48,03 |
1,40 |
De 26 a 50 |
12,03 |
8,90 |
96,33 |
1916,07 |
57,13 |
1,52 |
De 51 a 100 |
20,53 |
9,92 |
366,90 |
4265,18 |
98,36 |
2,02 |
De 101 a 140 |
27,32 |
8,30 |
872,00 |
3408,03 |
221,76 |
2,60 |
De 141 a 200 |
43,95 |
9,50 |
416,48 |
1580,20 |
173,33 |
2,81 |
De 201 a 300 |
70,25 |
8,83 |
637,50 |
1783,91 |
231,50 |
3,75 |
De 301 a 380 |
70,25 |
6,97 |
550,00 |
1011,37 |
333,13 |
3,13 |
De 500 a 1000 |
141,25 |
10,13 |
1735,00 |
1374,96 |
1172,50 |
7,00 |
Fonte: Gonçalves et al (2024).
No que diz respeito à escrituração zootécnica, apenas 63,3% dos produtores utilizam cadernos ou livros de acompanhamento, 1% usa computador ou celular, e 35,7% não fazem controle zootécnico do rebanho. Os registros mais comuns incluem a data de nascimento de bezerros, a data de parição das vacas, informações sobre a produção de leite e o controle de despesas e receitas.
Os índices zootécnicos (Tabela 2) são fundamentais para entender a eficiência e a saúde da produção leiteira. No caso da Paraíba e do Rio Grande do Norte, as diferenças nos índices refletem variações nas práticas de manejo, condições ambientais e talvez até características genéticas dos animais.
A Paraíba, com uma produtividade por vaca superior e menores taxas de mortalidade e mastite, pode estar beneficiada por práticas de manejo mais eficientes. Por outro lado, o Rio Grande do Norte apresenta índices mais altos de fertilidade e natalidade, indicando vantagens genéticas ou estratégias de manejo específicas que favorecem a reprodução e o aumento do rebanho.
Tabela 2. Índices zootécnicos da produção de leite bovino nos estados da Paraíba e Rio Grande do Norte
Número de vacas |
Vacas em lactação |
Produção de leite por vaca (L/dia) |
Produção de leite na fazenda (L/dia) |
Produção de leite/ha/ano (L) |
Tamanho da propriedade (ha) |
Homens dedicados à ordenha |
De 9 a 25 |
7,27 |
6,26 |
54,00 |
868,72 |
48,03 |
1,40 |
De 26 a 50 |
12,03 |
8,90 |
96,33 |
1916,07 |
57,13 |
1,52 |
De 51 a 100 |
20,53 |
9,92 |
366,90 |
4265,18 |
98,36 |
2,02 |
De 101 a 140 |
27,32 |
8,30 |
872,00 |
3408,03 |
221,76 |
2,60 |
De 141 a 200 |
43,95 |
9,50 |
416,48 |
1580,20 |
173,33 |
2,81 |
De 201 a 300 |
70,25 |
8,83 |
637,50 |
1783,91 |
231,50 |
3,75 |
De 301 a 380 |
70,25 |
6,97 |
550,00 |
1011,37 |
333,13 |
3,13 |
De 500 a 1000 |
141,25 |
10,13 |
1735,00 |
1374,96 |
1172,50 |
7,00 |
Fonte: Gonçalves et al (2024).
A bacia do rio Piranhas-Açu, nos estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, apresenta um potencial produtivo importante e uma significativa redistribuição espacial da produção, impulsionado por avanços tecnológicos e investimentos. Os índices zootécnicos revelam diferenças regionais, refletindo estratégias de manejo e vantagens genéticas específicas. A assistência técnica e a organização dos produtores são fatores decisivos para melhorar a produtividade e sustentabilidade da leiteira.
Referências
GONÇALVES, M.C., MEDEIROS, G.R., ALMEIDA, F.G., CAVALCANTE, I.T.R., CAVALCANTI, M.T., Diagnóstico dos Sistemas de Produção localizados na Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas – Açu. Instituto Nacional do Semiárido, Campina Grande-PB. 2024, 49 p.
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. 2015. Desafios para a produção de leite no Nordeste. https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/2697798/artigo-desafios-para-a-producao-de-leite-no-nordeste
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa da Pecuária Municipal. 2021. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9107-producao-da-pecuaria-municipal.html?utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=producao_agropecuaria&t=resultados
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção de leite. 2022. https://www.ibge.gov.br/explica/producao-agropecuaria/leite/br
MENDONÇA, B.S., B´ANKUTI, F.I., POZZA, M.S.S., PEREZ, H.L., SIQUEIRA, T.T.S. (2020) A typology of corporate and family dairy farms in eastern Goiás, Brazil Tipologia de sistemas produtivos leiteiros familiares e patronais na região leste de Goiás. Ciência Rural, 50: e20190285. https://doi.org/10.1590/0103-8478cr20190285
SILVA NETO, O.L., MARQUESAN, F.F.S. (2020) As racionalidades que permeiam a bovinocultura de leite no semiárido cearense. Revista Em Agronegócio e Meio Ambiente - RAMA 3: 1303-1321. https://doi.org/10.17765/2176-9168.2020v13n4p1303-1321
SILVEIRA, R.M.F., SILVA, V.J., FERREIRA, J., FONTENELLE, R.O.S., VEJA, W.H.O., SALES, D.C., SALES, A.P., CASTRO, M.S.M., TORO-MUJICA, P., VASCONCELOS, A.M. (2022) Diversity in smallholder dairy production systems in the Brazilian semiarid region: Farm typologies and characteristics of raw milk and water used in milking. Journal of Arid Environments, 203:104774. https://doi.org/10.1016/j.jaridenv.2022.104774
Página:
https://portalghf.com.br/noticia/agronegcio/2024/08/13/produo-de-leite-no-semirido-a-realidade-na-bacia-do-rio-piranhas-au/20901.html