Agronegócio
Governo de SP planeja vender fazenda com maior banco genético de cafés do mundo
Pesquisadores veem séria ameaça para o futuro da bebida no paÃs
O Governo do Estado de São Paulo planeja vender uma área da Fazenda Santa Elisa, que abriga o maior banco de germoplasma de café do Brasil, administrado pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Para se ter ideia, 90% do café produzido no Brasil utiliza variedades desenvolvidas nessa unidade de pesquisa, talvez a mais importante do mundo para pesquisas sobre a bebida.
A Fazenda Santa Elisa passou recentemente por um processo de mapeamento e desmembramento, que incluiu uma gleba de 70 mil metros quadrados denominada de São José.
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Nesse local, encontram-se exemplares únicos de diversas espécies de café, além da população mais antiga de cafeeiros arábica clonados por cultura de tecidos, resultado de mais de duas décadas de estudo sobre viabilidade técnica e longevidade desses clones.
Segundo a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), a medida do governo ameaça as pesquisas em andamento.
"Fatiar e vender áreas experimentais de pesquisa ameaça o futuro do café no Brasil. Manter esse banco de germoplasma é a salvaguarda para a cafeicultura brasileira, não podemos correr o risco de perder sequer um exemplar desse valioso material genético conservado no banco de germoplasma do IAC", afirma Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC.
O banco de germoplasma do IAC, criado na década de 1930, possui cerca de cinco mil ‘acessos’, que são plantas de diferentes tipos de café, muitas delas raras e em extinção.
A coleção foi ampliada por meio de acordos internacionais com diversos países produtores, garantindo ao Brasil acesso a uma vasta diversidade genética, essencial para o melhoramento de cultivares.
Nos anos 1950, um acordo de cooperação com o governo dos Estados Unidos permitiu a introdução de variedades provenientes de países como Etiópia, Quênia, Índia e América Central.
Por que o banco genético do IAC é tão importante?
O banco de germoplasma é fundamental para os estudos sobre diversos aspectos da cultura de café, desde resistência a pragas e doenças, adaptabilidade climática e novas variedades.
Por exemplo, foi ali que se desenvolveram variedades resistentes a pragas como a ferrugem e, mais recentemente, ao bicho mineiro, além de espécies tolerantes à seca e ao calor, características cada vez mais importantes devido às mudanças climáticas.
Entre as pesquisas em andamento, estão estudos que buscam desenvolver variedades de café arábica sem cafeína, uma inovação que poderia atender consumidores sensíveis a essa substância.
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A preservação do germoplasma do IAC é ainda mais crítica diante do cenário de perda de biodiversidade na Etiópia, centro de origem do café, onde guerras e desmatamento comprometeram áreas nativas de conservação.
Lutgens ressalta que muitos materiais coletados no passado e preservados no IAC podem não existir mais em seus locais de origem, tornando o banco de germoplasma uma salvaguarda crucial.
Esvaziamento
Apesar de sua importância, a pesquisa agrícola no Estado de São Paulo enfrenta dificuldades devido à falta de investimentos e esvaziamento do quadro de pesquisadores.
O último concurso público para contratação de cientistas foi realizado em 2003, e as recentes vagas abertas não atenderam às necessidades do setor, especialmente na área cafeeira.
Além da falta de pesquisadores, há uma escassez de profissionais de apoio para a manutenção das áreas de estudo. A presidente da APqC aponta que há cerca de 4,5 mil cargos vagos na Secretaria de Agricultura de São Paulo, prejudicando a continuidade das pesquisas e a conservação das áreas experimentais.
As pesquisas realizadas pelo IAC na Fazenda Santa Elisa dependem principalmente de recursos externos, como os do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) e de instituições de fomento como a Fapesp.
Esses aportes são essenciais, já que o governo estadual não destina verbas orçamentárias próprias para a manutenção do banco de germoplasma.
Lutgens conclui destacando a importância da pesquisa pública para o progresso científico e social.
"Estudos com espécies perenes como o café demandam décadas de dedicação para desenvolver novas cultivares, um esforço que dificilmente atrai interesse do setor privado. Sem o suporte da pesquisa pública, o avanço da cafeicultura estaria seriamente comprometido."
Daniel Azevedo Duarte
Agrofy News
Editor-chefe do Agrofy News Brasil
Página:
https://portalghf.com.br/noticia/agronegcio/2024/10/16/governo-de-sp-planeja-vender-fazenda-com-maior-banco-gentico-de-cafs-do-mundo/22086.html