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Agronegócio

Fungo impacta Circuito das Frutas e assusta produtores de SP: "vai acabar uva?"

Plano emergencial é montado para combate em plantações de uva no interior do estado

“Este ano vou ficar sem investir no sítio. Até pensei em semear tomate para ver se consigo pagar as contas enquanto isso, mas não tenho como comprar adubo; um amigo ficou de me dar. Se continuar do jeito que está, eu vou ter que parar. Muita gente está parando. Jundiaí é conhecida como Terra da Uva. Vai acabar a uva?”.

O desabafo acima é do viticultor de Jundiaí, interior de São Paulo, Ademir Minjoni. Ele relata que costumava colher 40 toneladas de uvas por hectare, mas, desde 2022, a Glomerella vem devastando suas quadras de uvas, provocando perdas gradativas que agora chegam a 90%.

O que é Giomerella?
Mesmo dano causado na propriedade de Minjoni tem impactado produtores de uva do Circuito das Frutas Paulista – área que engloba dez municípios de São Paulo com destaque na fruticultura.

Eles estão perdendo suas produções pelo avanço da podridão da uva madura, doença causada pelo fungo Glomerella cingulata.

A podridão da uva madura provoca manchas circulares marrom-avermelhadas sobre o fruto, que posteriormente, atingem todo o cacho, deixando a uva escura e murcha.

Temperaturas entre 25 °C e 30 °C e alta umidade proveniente de chuva, orvalho, irrigação ou cerração são condições ideais para a esporulação, disseminação, infecção e o desenvolvimento da doença.

Com isso, o fungo encontrou condições ambientais favoráveis para se multiplicar nos vinhedos da região e, há pelo menos quatro anos, prejudica os vitivinicultores locais.

Perdas de até 100%
Nesta última safra, no entanto, os danos provocados pelo patógeno chegaram a um nível sem precedentes, com perdas variando de 30% a até 100% da colheita.

“Essa não é uma doença desconhecida, mas, da forma como ela se deu neste ano, assustou muita gente. Alguns produtores até arrancaram o vinhedo inteiro, achando que não conseguiriam mais controlar de forma viável”, afirma Renê Tomasetto, presidente da Associação Agrícola de Jundiaí.

Ele acredita que o fator climático favoreceu a multiplicação do fungo na região e ressalta que 2023 foi um ano atípico, marcado por chuvas acima da média, com precipitações na época de poda e da colheita, intercalada por períodos secos. Com umidade e temperaturas ideais, o fungo avançou de forma agressiva, vencendo a batalha para frear a sua propagação.

Jundiaí: terra da uva ameaçada?
A uva é o carro-chefe do agronegócio local. Ela impulsiona a Festa da Uva, que há 90 anos atrai ao município milhares de turistas, entre janeiro e fevereiro, aquecendo o negócio na região.

Ela também está ligada ao turismo rural. Cinco rotas turísticas incluem visitas a propriedades de uva para mesa e para vinho em Jundiaí. Na Rota dos Vinhos, por exemplo, os vitivinicultores abrem as suas propriedades aos visitantes e comercializam o vinho produzido no local.

“Hoje já são 20 vinícolas autorizadas pelo município para receber esses turistas. A doença afeta toda a cadeia do turismo da cidade”, comenta Eduardo Alvarez, gestor da Unidade de Agronegócio, Abastecimento e Turismo.

Muitos produtores, ele ressalta, conseguem sua renda da atividade do colhe e pague: quando os frutos plantados são colhidos pelos turistas. “Persistindo a podridão por mais uma safra, isso afetaria a cadeia como um todo, pois a base do turismo de Jundiaí é a agricultura”, dimensiona.

Plano emergencial é montado para combater fungo
Na Câmara Setorial de Uva e Vinho do Estado de São Paulo, a Associação Agrícola de Jundiaí apresentou à Embrapa uma demanda por medidas para reduzir a pressão da doença e, se possível, erradicar a Glomerella nos vinhedos da região.

Com representação nesta Câmara, a Embrapa Territorial (SP) articulou a participação de pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho (RS) e dos órgãos estaduais. Com especialistas das prefeituras e das entidades do agro locais, esse corpo técnico traçou um Plano Emergencial de Controle à Podridão da Uva Madura em auxílio aos vitivinicultores paulistas.

O analista da Embrapa Rafael Mingoti atuou diretamente nessa etapa. Ele avalia que, a partir da união das instituições, poderão ser realizados ajustes nas práticas de controle da doença, desde os tratamentos de inverno, adubação, tratos culturais e controles biológico e químico, o que por si já trará resultados benéficos.

A primeira fase do Plano consiste na seleção de produtores receptivos à instalação de ensaios de controle da podridão da uva madura.

No período de 1º a 4 de julho, o grupo de especialistas visitou algumas propriedades localizadas nos municípios de Jundiaí, Louveira, Itatiba, Itupeva, Jarinu, Indaiatuba e Elias Fausto, para conversar com os proprietários sobre o projeto e coletar restos culturais – amostras nas quais o patógeno sobrevive no período de dormência das plantas, como cachos mumificados (atacados na última safra), ráquis e gemas dos ramos da videira.

Esse material será levado para o Laboratório de Fitopatologia da Embrapa Uva e Vinho, onde se desenvolverá a etapa seguinte, visando ao isolamento do patógeno, a sua identificação por meio da morfologia e testes para detectar a presença de isolados resistentes a determinados grupos de fungicidas.

O pesquisador Lucas Garrido, um dos especialistas da Embrapa Uva e Vinho ressalta que o conjunto de ações propostas prevê duas linhas de enfrentamento: a primeira, com medidas para adoção imediata, visa reduzir a pressão do patógeno presente nos vinhedos; e a segunda, a redução da taxa da doença ao longo da safra.

“É importante a atuação em pelo menos duas safras para colher resultados. Nesse primeiro momento, serão visitados alguns vinhedos para mitigar as causas que contribuíram para a epidemia da doença na região e corrigir algumas práticas adotadas pelos produtores. Depois, a médio prazo, vem a adoção dos melhores produtos e práticas, que serão estudadas ao longo dessas duas safras, de tal forma que se torne um protocolo rotineiro”, reforça Garrido.

O grupo de especialistas também instalará ensaios nas propriedades selecionadas e acompanhará os resultados. Garrido adianta que esses trabalhos vão averiguar a eficácia dos produtos em testes para acelerar a decomposição dos restos culturais do vinhedo – materiais nos quais o patógeno sobrevive de uma safra para outra.

O conhecimento gerado por esses experimentos será transferido aos produtores do Circuito das Frutas em eventos a serem organizados.

Boas práticas
Em Jundiaí, há um exemplo que pode ser um alento para os produtores. Anderson Tomazetto lidera uma propriedade onde o solo é ocupado pelo cultivo da uva há mais de 100 anos.

Ele conta ter visto os primeiros sintomas da podridão da uva madura nas suas terras há quatro anos, mas, na época, não sentiu grandes prejuízos.

“Antigamente aparecia algum grãozinho com podridão. Mas, em 2022, ela veio com força e eu cheguei a perder 15 toneladas de uva”, recorda. Buscando orientações técnicas da Embrapa, ele mudou o manejo e conseguiu bons resultados.

“Passei a levar o galho, os cachos infectados, e até uva doente colocava num baldinho em separado e levava para fora da quadra. Também apliquei calda sulfocáustica quando acabou a safra. É uma sequência de tratamentos associados a práticas de manejo. Se não fizer os dois juntos, não dará resultados”, ensina.

Tomazetto considera o combate ao fungo como o maior desafio do viticultor. “O fungo é algo que não vemos, e na hora que percebemos, a planta já está contaminada”, diz.

Por redação com informações da Embrapa | Agrofy News

Página:

https://portalghf.com.br/noticia/agronegcio/2024/07/12/fungo-impacta-circuito-das-frutas-e-assusta-produtores-de-sp-vai-acabar-uva/20335.html