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Agronegócio

Epopeia da soja no Brasil começou com uma garrafa de sementes há 100 anos

Pastor luterano vindo dos Estados Unidos distribuía as sementes com uma condição

Daniel Azevedo Duarte
Agrofy News
Editor-chefe do Agrofy News Brasil

Há exatos 100 anos, alguns pioneiros realizavam o que se pode chamar de primeira colheita de soja do Brasil.

Neste intervalo, umas poucas sementes trazidas dentro de uma garrafa foram o começo de um setor que hoje produz dezenas de milhões de toneladas ao ano e é um dos maiores alicerces da economia do país.

Sim, a versão mais aceita e difundida sobre o início da cultura da soja remete ao pastor estadunidense Albert Lehenbauer que distribuiu sementes de “feijão soja” em 1924 para famílias da então colônia de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul.

Ainda assim, o cultivo da soja teve um início tímido. As famílias que receberam as sementes começaram a cultivar a soja em pequenas áreas, para consumo próprio e alimentação de animais.

O pastor Lehenbauer doava as sementes com uma condição: que metade da colheita fosse doada para os vizinhos também plantarem. Como a soja se adaptava bem ao clima e ao solo da região, a comunidade começou a expandir o cultivo.

Documento histórico
Uma carta enviada por Helene Lehenbauer, esposa do pastor, em 10 de abril de 1976, para parentes residentes em Santa Rosa, traz mais detalhes sobre a transcendente história.

“Ao chegar aqui em 12 de novembro de 1923, o pastor imediatamente começou a plantar, o que subsequentemente rendeu mais grãos. Estes foram então distribuídos, fomentando gradualmente o cultivo da soja. A partir de 1924, ele os distribuiu para seus paroquianos”, descreveu.

Segundo Helene, o pastor teria afirmado categoricamente que “a soja seria o futuro da agricultura no Brasil”. “O que ele queria era ajudar os colonos de suas congregações a progredir economicamente e intelectualmente para dar uma vida melhor para si e seus filho”, relatou a viúva.

De onde vieram as primeiras sementes de soja?
Após uma temporada na fazenda de seu falecido pai, Johann Matthaeus A. Lehenbauer, localizada no Condado de Marion, em novembro de 1923, o Pastor Albert e sua família se preparam para retornar para casa, no Brasil, para a Colônia Santa Rosa.

Entre seus pertences, uma garrafa cheia de soja, devidamente selada para evitar umidade e ar salgado, entregue a eles por sua irmã Khaterine Lehenbauer Pflantz.

Embarque no transatlântico S.S. Vestris da Lamport & Holt Line, que navegava da América do Norte para a América do Sul via Trinidad, Barbados, Rio de Janeiro, Santos, Montevideo e Buenos Aires.

Na cabine do casal, no fundo de uma mala, havia uma garrafa contendo os grãos colhidos pela família Lehenbauer em sua propriedade, sementes selecionadas entregues ao Pastor para plantar nas terras da Colônia Santa Rosa, na região conhecida como Linha 15 de Novembro.

Os pioneiros da soja
Naquele então, o pastor Lehembauer doou sementes da variedade “amarela comum” aos agricultores Gustavo Bessel, Bruno Schwartz, Manoel Brackmann e João Müller, todos com propriedades em Linha Abrantes, os quais se tornariam os primeiros plantadores de soja na região.

Também pioneiro, o agricultor de origem russa Reinhold Fischer, em entrevista ao jornal O Interior em junho de 1983, disse que, lembrava bem do dia em que o pastor apresentou aos colonos da região as primeiras sementes de soja.

Ele lembrou ainda que o pastor explicou que o “feijão soja” tinha substância e podia ser bom alimento para os porcos. Assim, Fischer também decidiu experimentar a tal de soja e, já no ano seguinte, plantou alguns quilos de sementes, cedidos pelo vizinho Bessel.

O fato de que o pastor Lehenbauer tenha distribuído sementes de uma variedade mais adaptada para a produção de grãos o tornaram realmente o responsável maior pela disseminação da soja no Estado.

O pastor Albert Lehenbauer morreu esquecido no ano de 1955, em Buenos Aires, quando a soja já despontava como uma das mais importantes culturas do Rio Grande do Sul.

Outras versões
Segundo o estudo “Os pioneiros no cultivo da soja no Rio Grande do Sul”, a soja foi introduzida no Brasil quase ao final do século XIX. Em 1882, antes de chegar ao Rio Grande do Sul, ela chegou na Bahia pelas mãos de Gustavo Dâ??Utra então professor da escola agrícola da Bahia.

Já Guilherme Minssen, um professor da Escola de Agronomia de Guignon, na França, fez a publicação do primeiro estudo sobre os aspectos botânicos e culturais da soja no Rio Grande do Sul.

Esse trabalho foi publicado na Revista Agrícola do Rio Grande do Sul, publicação do referido e antigo Lyceu de Agronomia de Pelotas, em sua edição de julho de 1901.

O trabalho acadêmico relatou as tentativas de cultivo da soja no estado no ano de 1900. Entre eles, o estudo cita o agricultor Valentim Benito Regis, em Cacimbinhas, atual município de Pinheiro Machado, o Engenheiro Agrônomo Alberto Wellhauser em Dom Pedrito e o agricultor Bento Machado de Bitencourt em Venâncio Aires.

Outro registro histórico destaca o professor E.C. Craig como o introdutor da espécie no Rio Grande do Sul, fato ocorrido em 1914. Esse pesquisador norte-americano colaborou na antiga Escola Superior de Agronomia e Veterinária, na então denominada Universidade Técnica do Rio Grande do Sul, hoje Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Antecedendo o ano de 1914 dispõem-se de outros dados sobre a presença da soja no Estado. Fato recordado pelo professor Ataliba de Figueiredo Paz que dizia que a soja era conhecida em Santa Maria, por volta de 1912, como feijão gordo, pelo leite que podia ser extraído do grão quando esmagado.

A história também registra a participação de outros pioneiros. Em 1917, o agricultor Francisco Seibot teria cultivado soja em Esquina Ramos, atual município de Tuparendi.

Além deles, outros documentos registram que a soja foi semeada pela primeira vez na extinta Estação Experimental de Agricultura e Criação de Santa Rosa, pelo Técnico Rural Floriano Peixoto, em 1921.

Pesquisa iniciada na década de 1930, na antiga Estação Experimental das Colônias, no município de Veranópolis, resultou na primeira cultivar de soja criada no Rio Grande do Sul, denominada “Pioneiraâ??, que foi lançada em 1960.

Evolução da soja no Brasil
Assim, a produção da soja brasileira em escala comercial iniciou no Rio Grande do Sul. A produção comercial da soja começou na região das Missões, tendo como centro o município de Santa Rosa, considerando o berço nacional da soja.

No início, o cultivo objetivava a produção de forragem e de grãos para o arraçoamento de suínos. Dada a estrutura existente para o cultivo do trigo, principalmente nas regiões de Missões, Planalto Médio e Alto Uruguai, a soja foi se desenvolvendo rapidamente, especialmente a partir dos anos 60.

Até o início da década de 70, caracterizava-se como uma cultura secundária, em relação ao trigo. Era cultivada na resteva deste, normalmente semeada a partir de fins de novembro e durante o mês de dezembro, fora da época ideal, e não lhe eram dispensados muitos cuidados culturais.

A partir dos anos 70, face ao alto retorno que passou a proporcionar e aos problemas de produção com a cultura do trigo, a soja começou a merecer maior atenção dos agricultores.

Em pouco tempo, a soja se tornou o principal produto explorado pela agricultura gaúcha. Chegou a cobrir mais de quatro milhões de hectares na safra de 1978/79.

A partir de meados dos anos 70, a área de soja começou a crescer rapidamente, em grande parte devido aos investimentos feitos na agricultura no Centro-oeste em estados como Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás por grandes grupos empresariais.

Já nos anos 1980 e 1990, os desbravadores também chegaram ao atualmente chamado Matopiba, região que também responde por expressiva produção da oleaginosa.

Mais recentemente, na década de 2010, o Brasil tornou-se o maior produtor e maior produtor mundial do grão, superando os Estados Unidos. Ironicamente, o país de onde vieram as primeiras sementes pelas mãos do pastor Lehembauer.

Na safra passada, a produção de soja no país atingiu novos recordes de produção, com 154,6 milhões de toneladas, e de embarques com 126,8 milhões de toneladas.

Assim, a produção brasileira de soja, que se espalha atualmente por milhões de hectares, contribui significativamente para a economia do país, gerando milhares de empregos diretos e indiretos, além de ser fundamental para a balança comercial brasileira.

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