Laticínios sob tensão: os efeitos das tarifas dos EUA
Entenda os efeitos das tarifas dos EUA e o que isso significa para os mercados globais de laticínios.

Os Estados Unidos impuseram uma tarifa fixa de 10% sobre todas as importações — mas alguns de seus parceiros comerciais, incluindo a União Europeia e a China, estão enfrentando taxas mais altas. A tarifa fixa não se aplicaria ao Canadá e ao México, que já estão sujeitos a tarifas.
A tarifa de 10% entrou em vigor em 5 de abril de 2025, com as taxas mais altas passando a valer a partir da meia-noite de 9 de abril.
Veja análises sobre como as tarifas provavelmente afetarão as principais regiões produtoras de laticínios do mundo, incluindo a UE, China, Austrália e Nova Zelândia.
União Europeia (20%)
Os EUA têm há muito tempo um impasse com a UE sobre as indicações geográficas (IGs) para queijos. As IGs — que abrangem cerca de 3.500 produtos agrícolas, vinhos e bebidas alcoólicas — são um tipo de marca comercial e uma forma de os produtores europeus promoverem o patrimônio cultural de suas regiões.
As designações também significam que os fabricantes de queijo dos EUA não podem chamar seus produtos de “feta” ou “gorgonzola” no mercado da UE, porque esses termos são reservados para queijos produzidos regionalmente.
Há uma década, a UE causou polêmica com os fabricantes de queijo dos EUA ao querer restringir o uso de termos como parmesão também em queijos feitos nos EUA. E o bloco tem defendido essas proteções em negociações comerciais com outros países, como a Índia.
A política da UE tem sido vista como hostil por alguns grupos comerciais dos EUA. O Consortium for Common Food Names, uma organização sem fins lucrativos que defende o direito dos produtores de usarem nomes genéricos, afirma que a UE tem sido “uma das principais infratoras dos direitos de produtores de alimentos e bebidas com nomes comuns”.
O US Dairy Export Council diz que a questão “vai além do léxico”. “Se a Europa garantir o uso exclusivo de feta, parmesão, gorgonzola, asiago e outros nomes comuns de queijos, isso pode reduzir o consumo de queijo dos EUA em 21% ao longo de 10 anos e custar aos produtores de laticínios dos EUA um total acumulado de US$ 59 bilhões”, estima a organização.
Por que as designações de IG são importantes
A Comissão Europeia afirma que o reconhecimento de IG permite aos consumidores “confiar e distinguir produtos de qualidade, ao mesmo tempo que ajuda os produtores a comercializarem melhor seus produtos”. As indicações geográficas incluem DOP (denominação de origem protegida), IGP (indicação geográfica protegida) e IGs (indicações geográficas).
As vendas de produtos agroalimentares e bebidas com IG geram cerca de €75 bilhões (US$ 81,5 bilhões) para o bloco, com cerca de €15 bilhões (US$ 16,3 bilhões) provenientes de exportações para destinos fora da UE.
Mas a Associação Europeia de Lácteos afirmou que o queijo da UE não compete diretamente com os produtos dos EUA e representa uma pequena parte da indústria de queijos nos Estados Unidos.
Alexander Anton comentou: “As exportações de laticínios da UE – principalmente de queijos – representam menos de 2% do consumo doméstico total dos EUA. Esses queijos atendem a um segmento de mercado muito específico nos EUA, oferecendo variedade e excelência aos consumidores americanos e, portanto, não competem diretamente com os produtos lácteos americanos."
“Os EUA e a UE não apenas têm a maior relação bilateral de comércio e investimento e a relação econômica mais integrada do mundo, como também a balança comercial geral (bens e serviços) entre EUA e UE está basicamente em equilíbrio – essa é uma base ideal para uma relação comercial próspera".
“Um conflito comercial entre os EUA e a UE, portanto, está claramente na categoria de perda para ambos os lados.”
Ele acrescentou que o momento não poderia ser pior.
“Nosso setor já está sob enorme pressão devido à investigação de subsídios da China e aos desafios contínuos do mercado global. Agora, as tarifas dos EUA correm o risco de agravar ainda mais essa crise."
“Isso é um golpe para as economias rurais em toda a Europa – e para o espírito de um comércio justo e baseado em regras.”
"A entidade comercial instou a Comissão Europeia a responder estrategicamente. “A política comercial deve ser inteligente, não punitiva”, acrescentou Anton. “Os laticínios não são o problema aqui – usá-los como peça de negociação só cria novos problemas de ambos os lados do Atlântico.”
Tarifa de 20% em laticínios agrada exportadores dos EUA
Enquanto algumas organizações de laticínios dos EUA, como a IDFA, têm pedido que se evitem guerras tarifárias prolongadas (mais sobre isso adiante), outros setores da indústria reagiram positivamente às tarifas retaliatórias impostas pela administração dos EUA.
Gregg Doud, presidente e CEO da National Milk Producers Federation (NMPF), que representa dois terços das fazendas leiteiras comerciais nos EUA, chamou a tarifa de 20% sobre os produtos lácteos da UE de “uma pechincha”.
“Ficamos satisfeitos em ver a administração focando em barreiras comerciais de longa data que a UE e a Índia impuseram às nossas exportações”, disse Doud. “Na verdade, tarifas recíprocas de 20% são uma pechincha para a UE, considerando as barreiras tarifárias e não tarifárias altamente restritivas que a UE impõe aos nossos exportadores de laticínios.
Reforçando o mesmo sentimento, Krysta Harden, presidente e CEO do US Dairy Export Council, disse que as tarifas podem gerar resultados positivos se “forem usadas como alavanca para corrigir as diversas barreiras comerciais enfrentadas pelos nossos exportadores”.
“Uma mão firme e uma abordagem decisiva para promover mudanças são mais do que necessárias com a UE e a Índia, a fim de corrigir suas políticas comerciais distorcidas e o tratamento injusto à agricultura americana — incluindo tanto barreiras tarifárias desequilibradas quanto pontos de estrangulamento não tarifários, como o uso indevido de Indicações Geográficas para bloquear a venda dos nossos queijos”, acrescentou Harden.
No momento da redação, a resposta da UE ainda não está clara, embora autoridades europeias tenham afirmado que preferem negociar em vez de aplicar tarifas recíprocas.
Nova Zelândia (10%)
As exportações de laticínios da Nova Zelândia representaram mais de um quarto (29%) de todas as exportações de bens para o resto do mundo no ano até dezembro de 2024. O país exportou o equivalente a NZ$20,5 bilhões (US$ 12,2 bilhões) em produtos lácteos durante esse período, tendo os EUA como apenas o quarto maior mercado de exportação, com embarques no valor de NZ$980 milhões (US$ 585 milhões).
A maior parte das exportações de laticínios da Nova Zelândia no período teve como destino a China (NZ$6,4 bilhões/US$ 3,8 bilhões), Indonésia (NZ$1,08 bilhão/US$ 645 milhões) e Austrália (NZ$990 milhões/US$ 590 milhões). As três principais commodities de exportação de laticínios do país são o leite em pó (NZ$9,81 bilhões/US$ 5,85 bilhões), manteiga (NZ$4,64 bilhões/US$ 2,77 bilhões) e queijo (NZ$2,74 bilhões/US$ 1,64 bilhão).
A Nova Zelândia restringe as importações de carne suína dos EUA, mas mantém um acordo de livre comércio de longa data com o país, com uma tarifa média aplicada de 1,4% para produtos agrícolas em 2023.
O ministro da Agricultura, Todd McClay, manteve um tom otimista em sua resposta:
“Embora essas tarifas criem custos adicionais que serão, em grande parte, repassados aos consumidores, a Nova Zelândia está em uma posição mais forte do que muitos outros países, alguns dos quais enfrentam barreiras tarifárias mais elevadas”, disse ele. “Isso reforça a importância do nosso trabalho para criar novas oportunidades comerciais e reduzir barreiras para nossos exportadores na UE, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos, Conselho de Cooperação do Golfo e, mais recentemente, na Índia.”
Austrália (10%)
O setor de laticínios é menos voltado à exportação do que o setor de carne bovina na Austrália, mas também será sujeito à tarifa de 10%. Os EUA não são um destino relevante para as exportações de laticínios australianos.
Cerca de 37% da produção nacional de laticínios é exportada, com China (29% de participação de mercado), Japão (14,4%), Indonésia (7,9%), Malásia (6,9%) e Cingapura (6,1%) sendo os principais destinos nos últimos anos.
Segundo o relatório de exportações do Rural Bank, o valor das exportações de laticínios da Austrália aumentou em AU$69 milhões (US$ 44,8 milhões) em 2023-24, totalizando AU$3,1 bilhões (US$ 2,01 bilhões), alta de 13,6% em relação à média dos últimos cinco anos.
A Austrália também importou um volume recorde de laticínios no ano passado, trazendo AU$1,65 bilhão (US$ 1,07 bilhão) em produtos, sendo a Nova Zelândia a principal fornecedora, com 59,7% de participação. No entanto, a previsão é que as importações caiam em 2024/25, já que a oferta interna de leite deverá permanecer estável ou em leve queda nesta temporada.
Os produtores de leite australianos tiveram retornos elevados nos últimos anos, com a renda das fazendas nos três anos até 2023/24 sendo 130% maior do que a média da década anterior. Isso está ligado a preços recordes do leite em 2022/23 e à redução nos gastos com insumos essenciais como energia, fertilizantes, produtos químicos e ração animal. Os preços médios pagos ao produtor na Austrália foram de aproximadamente AU$9,51 por quilo de sólidos do leite (US$ 6,17/kg de sólidos do leite) em 2023-24, cerca de 33% mais altos do que os da Nova Zelândia.
China (54%)
O presidente Trump anunciou tarifas adicionais de 34% sobre produtos chineses, elevando a taxa total para 54% ao se somar à tarifa de 20% anunciada no início do ano.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Guo Jiakun, afirmou que o novo pacote de tarifas dos EUA “viola gravemente as regras da OMC e prejudica seriamente o sistema multilateral de comércio baseado em regras”.
“A China se opõe firmemente a isso e tomará as medidas necessárias para salvaguardar com firmeza seus interesses legítimos”, disse o porta-voz. “A China tem enfatizado repetidamente que não há vencedores em guerras comerciais e tarifárias, e que o protecionismo não é solução".
“A China insta os Estados Unidos a corrigirem suas práticas equivocadas e a negociarem com todos os países do mundo, incluindo a China, para resolver as diferenças comerciais de maneira igualitária, respeitosa e mutuamente benéfica.”
Questionado sobre se a China retaliaria antes que a tarifa de 34% entre em vigor em 9 de abril, ele acrescentou: “O que os EUA precisam fazer agora é corrigir suas práticas equivocadas e negociar com todos os países (…).
“Está claro que cada vez mais países se opõem ao comportamento unilateral e intimidatório dos EUA, como o aumento de tarifas”, concluiu.
A China é o terceiro maior mercado de exportação de laticínios dos EUA, com valor de US$584 milhões em 2024. Segundo o US Dairy Export Council, as exportações de laticínios dos EUA para a China caíram em 2024, sendo o pior desempenho desde 2020.
O banco ING afirmou que as tarifas impostas pelos EUA afetariam a economia chinesa e poderiam provocar uma resposta firme, tanto em termos de estímulo interno quanto de tarifas comerciais recíprocas.
A China já impôs tarifas de até 15% sobre exportações alimentícias e de bebidas dos EUA em resposta a uma rodada anterior de tarifas do governo Trump — sendo que os laticínios dos EUA estão sujeitos a uma tarifa de 10%.
Novas tarifas adicionais podem prejudicar mais os produtores americanos do que a própria indústria doméstica da China, que é fortemente apoiada pelo governo por meio de subsídios.
De fato, o apoio aos produtores de carne bovina e laticínios foi destacado no mais recente Documento nº 1 da China — que detalha as medidas que o Partido Comunista adotará para proteger a segurança alimentar e a agricultura —, pois o país busca reduzir sua dependência de importações.
Entre as entidades comerciais dos EUA que responderam aos anúncios de tarifas, a International Dairy Foods Association destacou que “tarifas amplas e prolongadas sobre nossos principais parceiros comerciais e mercados em crescimento correm o risco de minar nossos investimentos, aumentar os custos para empresas e consumidores americanos, e criar incerteza para os produtores de leite e comunidades rurais dos EUA”.
“A indústria de laticínios dos EUA exporta mais de US$8 bilhões em produtos lácteos de alta qualidade todos os anos para aproximadamente 145 países ao redor do mundo”, disse a vice-presidente sênior de políticas comerciais e trabalhistas, Becky Rasdall Vargas.
“Para atender à crescente demanda global, as empresas de laticínios investiram US$8 bilhões em nova capacidade de processamento aqui nos Estados Unidos — gerando empregos, fortalecendo economias rurais e posicionando os EUA como o principal fornecedor mundial de laticínios. Esse crescimento depende de relações comerciais fortes e do acesso a ingredientes essenciais, produtos acabados, embalagens e equipamentos para fornecer aos americanos alimentos e bebidas lácteas seguros, acessíveis e nutritivos.”
As informações são do Dairy Reporter, traduzidas e adaptadas pela equipe MilkPoint
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